Folha de S. Paulo


EUA revogam programa que protege 800 mil jovens imigrantes

O presidente Donald Trump deixou para o secretário de Justiça, Jeff Sessions, a tarefa de anunciar a polêmica decisão de acabar com o programa que já concedeu a quase 800 mil jovens imigrantes sem documentos um status legal nos Estados Unidos.

Nenhum beneficiário do programa será afetado antes de 5 de março de 2018, segundo o governo Trump, mas nenhum novo pedido será aceito a partir desta terça.

"O programa conhecido como Daca, que foi colocado em ação no governo Obama está sendo revogado", anunciou Sessions aos jornalistas nesta terça (5), sem dar espaço para perguntas.

Desde que foi criado o Daca (que na sigla em inglês significa "ação diferida para os que chegaram quando crianças"), por um decreto de Barack Obama em 2012, 787.580 pessoas tiveram aceito seu pedido para fazer parte do programa.

Com isso, os chamados "dreamers" podiam viver legalmente por dois anos nos EUA e ficavam protegidos da deportação. A cada dois anos, era preciso renovar o pedido –foram 952 mil pedidos de renovação até hoje, com 93% das solicitações aceitas.

Os beneficiados do Daca são imigrantes que chegaram aos EUA com menos de 16 anos, vivem no país de forma contínua desde junho de 2007 e não tinham mais do que 30 anos quando o programa começou a valer, em 2012. Eles também não poderiam ter cometido nenhum crime grave.

'Dreamers' beneficiados - Desde sua criação, em 2012, o programa Daca já regularizou quase 800 mil jovens imigrantes nos EUA

De onde vêm os 'Dreamers' - Principais países de origem dos beneficiados

O nome "dreamers" é derivado do "Dream Act", projeto de lei proposto em 2001 que previa conceder status legal em troca de o jovem frequentar o ensino superior ou servir às Forças Armadas, mas que nunca foi aprovado no Congresso.

Este foi justamente o principal argumento usado pelo governo Trump para acabar com o programa: de que a decisão de Obama não respeitou a "separação entre os poderes" ao fazer isso por um decreto, sem passar pelo Congresso.

"O poder Executivo, por meio do Daca, deliberadamente buscou alcançar o que o poder Legislativo especificamente se recusou a autorizar em diversas ocasiões. Essa violação aberta das leis de imigração foi um exercício inconstitucional de autoridade pelo Poder Executivo", disse Sessions.

Segundo ele, se o Congresso escolher mudar as leis de imigração, deve fazer isso "por meio do processo estabelecido pelos nossos fundadores, de uma maneira que atenda ao interesse da nação".

Mais cedo, Trump, que prometeu na campanha acabar com o Daca, havia escrito em sua conta no Twitter que o Congresso deveria "se preparar para fazer o seu trabalho".

A organização "United We Dream", que reúne "dreamers" pelo país, respondeu que Trump não deveria "lavar as suas mãos" ao delegar ao Congresso a decisão sobre o destino dos jovens imigrantes. "Você tem o poder de manter o Daca até que o Congresso aprove uma lei limpa", disse a ONG, antes do anúncio da decisão.

Depois da fala de Sessions, a diretora-executiva da organização, Cristina Jimenez, disse que a decisão alimenta um "plano supremacista branco para aterrorizar os 'jovens de cor'". "Mas não se engane –não vamos ser empurrados para as sombras por esses políticos racistas. Essa é a nossa casa e estamos aqui para ficar", disse.

'CONSEQUÊNCIAS TERRÍVEIS'

Segundo o texto lido por Sessions, a "anistia unilateral do Executivo" concedida por Obama pelo Daca estimulou a vinda de menores desacompanhados para os EUA, com "consequências humanitárias terríveis", e "negou a centenas de milhares de americanos empregos que foram para imigrantes ilegais".

"Para ter um sistema legítimo de imigração que atenda o interesse nacional, não podemos admitir todos os que gostariam de entrar", disse Sessions. "Isso não significa que eles sejam pessoas más ou que nossa nação não os respeite ou os rebaixe de qualquer maneira. Isso significa que estamos aplicando adequadamente nossas leis conforme o Congresso aprovou", completou.

O secretário de Justiça ainda afirmou que, "no passado, o fato de não cumprir as leis colocou nossa nação em risco de crime, violência e até terrorismo".

Mais de 87% dos beneficiados são mexicanos. O Brasil é o sétimo país com mais cidadãos dentro do Daca: foram 7.361 pedidos aprovados até hoje (e 7.542 de renovação), menos de 1% do total. Antes do Brasil, estão ainda El Salvador, Guatemala, Honduras, Peru e Coreia do Sul.

A maioria dos "dreamers" (31%) vive na Califórnia, seguido do Texas (19%), Nova York (6,3%), Illinois (5,8%) e Flórida (5%).

De acordo com a ICE, agência federal responsável pelas deportações, cerca de 1.500 "dreamers" tiveram, desde o início do programa, seu benefício cancelado depois de cometer algum tipo de crime ou participar de atividades relacionadas a gangues. Isso representa 0,1% do total de beneficiados.


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