Folha de S. Paulo


Trump facilita diálogo com Kim ao focar questão nuclear, diz analista

KCNA/Reuters
O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, visita a Academia de Ciência de Defesa, em Pyongyang

Quando o cientista político sul-coreano Jun Bong-geun começou a pesquisar as relações entre as duas Coreias, há 25 anos, a Guerra Fria dava seus últimos suspiros.

De lá para cá, "houve sempre altos e baixos", afirma o analista, que vê agora "um dos piores momentos" na relação entre Seul e Pyongyang.

Por outro lado, Jun avalia que há uma chance maior de diálogo agora que o presidente dos EUA, Donald Trump, foca no problema nuclear.

"Anteriormente, o governo americano questionava muitos problemas na Coreia do Norte: direitos humanos, liberdade religiosa." Ele lembra que Trump chegou a chamar o ditador Kim Jong-un de "smart cookie", um sujeito esperto, em abril.

Não há mais, por parte de Washington, uma contestação da legitimidade do poder da família Kim, afirma Jun, que trabalha no Instituto de Relações Exteriores e Segurança Nacional, o principal "think tank" que assessora o Ministério das Relações Exteriores sul-coreano.

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Folha - Como o sr. avalia o atual momento das relações entre as Coreias?

Jun Bong-geun - Este é um dos piores momentos entre as duas Coreias. Quando acabou a Guerra Fria, houve sempre altos e baixos. Neste momento, há uma nova dimensão no sentido de que a Coreia do Norte está quase completando o seu armamento nuclear. Mas há uma certa contenção do lado norte-coreano. Espero que de agora em diante o pior momento tenha passado.

Guilherme Magalhães/Folhapress
O cientista político Jun Bong-geun, do Instituto de Relações Exteriores e Segurança Nacional, em Seul

O sr. acha que o regime norte-coreano realmente tem tecnologia para construir mísseis nucleares ou é só propaganda?

Nós costumávamos subestimar a capacidade da Coreia do Norte. Agora quando a ela diz algo, nós aceitamos isso como um fato. Mas ainda é um país pequeno. Com exceção de EUA e Rússia, que têm mais de 5.000 armas nucleares, todos os outros países nucleares têm apenas de 100 a 300 armas. Ter a tecnologia é uma coisa, construir um arsenal com centenas de mísseis intercontinentais é outra coisa.

Qual a chance de um conflito real no meio dessa "guerra de palavras" entre Donald Trump e Kim Jong-un?

Quando leio essa "guerra de palavras", não espero que nenhum deles esteja pronto para atacar o outro lado. O que eles querem é dizer "por favor não me ataque, tenho capacidade suficiente para fazer você sofrer". E para haver uma guerra total, precisaria haver uma mobilização séria de recursos e soldados, e não vi isso nem do lado norte-coreano ou americano. Houve pequenas escaramuças, que poderiam ter ocorrido em qualquer tempo nessa península. Mas guerra, no sentido de uma grande guerra, ninguém está pronto para isso.

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O que os primeiros meses de governo Trump mostraram em relação à Coreia do Norte?

Muitos se preocupam com ele ser muito imprevisível e pouco convencional. Mas, por outro lado, penso que estamos vendo chances muito boas de diálogo entre EUA e Coreia do Norte. Anteriormente, o governo americano questionava muitos problemas na Coreia do Norte: direitos humanos, liberdade religiosa, várias coisas. Mas Trump só se preocupa com o problema nuclear. Antes, fosse um governo republicano ou democrata, sempre reclamavam da ditadura, uma contestação da legitimidade da família Kim. Mas Trump chamou Kim Jong-un de "smart cookie" [sujeito esperto]. Desde que os EUA estejam focando em um único problema, a questão nuclear, penso que há uma possibilidade muito maior de diálogo.

Como o sr. avalia a decisão chinesa de suspender a importação de alguns produtos norte-coreanos, como carvão e pescado?

Veio um pouco tarde e em volume muito pequeno. Sabemos que, na Coreia do Norte, qualquer dinheiro ganho vai direto para a liderança do regime, que aloca os recursos principalmente para o governo e o desenvolvimento de armas. Estamos pressionando para que a China pare de fornecer petróleo, e eles não nos ouvem. A China é o único Estado nuclear dentro do Tratado de Não Proliferação Nuclear no nordeste da Ásia. Isso significa que o país carrega uma responsabilidade muito maior de manter essa região livre de armas nucleares.

O sr. considera que foi uma boa decisão a vinda do escudo antimísseis Thaad?

Não foi a melhor, mas foi necessária para EUA e Coreia do Sul. Não é um sistema ofensivo de armas, é completamente defensivo. Causa alguns problemas na região, mas é um preço que devemos pagar.

O jornalista viajou a convite do Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia do Sul


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