Folha de S. Paulo


Farc retêm sigla e viram partido político colombiano

Farc. Assim mesmo, com o nome da mais importante guerrilha da história da Colômbia, seus ex-combatentes escolheram continuar a ser chamados neste momento em que vão trocar as balas por votos e entrar na vida democrática do país.

Só que, em vez de essas quatro letras significarem Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, passam a designar o partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum.

A decisão foi anunciada nesta sexta (1º), no encerramento do Congresso da ex-guerrilha, em Bogotá, do qual participaram seu comandante, Rodrigo "Timotchenko" Londoño, recém-recuperado de um acidente vascular cerebral, membros da cúpula da organização como Iván Márquez e Pablo Catatumbo, e um representante para cada 20 ex-guerrilheiros espalhados pelo país, num total de 1.500 pessoas.

Raul Arboleda/AFP
O líder das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño, participa do congresso da guerrilha em Bogotá

Sob a velha insígnia, agora apresentada com o símbolo de uma rosa, decidiram que irão apresentar para as eleições legislativas do ano que vem 111 pré-candidatos, que disputarão dez vagas no Congresso —cinco no Senado, e cinco na Câmara.

Pelo tratado de paz aprovado no fim do ano passado, as Farc concorrerão a essas vagas assim como os demais partidos. Porém, se seus candidatos não obtiverem votos suficientes para se elegerem, serão criadas vagas extras para que eles possam completar a cota das dez cadeiras, e o Congresso ficará maior.

O benefício vale para as eleições de 2018 e 2022.

Entre os 111 que formarão a linha de frente do partido, "há uma boa cota de mulheres, etnias e todas as expressões do novo movimento. Vamos dar um exemplo da Colômbia que queremos construir", afirmou Catatumbo.

Houve críticas à manutenção da sigla, por muitos identificada às mais de 250 mil mortes e 60 mil desaparições, além de crimes de sequestro, tortura e extorsão.

Um grupo de advogados apresentou um pedido ao CNE (Conselho Nacional Eleitoral) para que este não a aceite como nome de partido, pois assim, alegam, a ex-guerrilha faria "apologia do delito e volta a vitimizar milhares de colombianos".

Reprodução
Símbolo da Força Alternativa Revolucionária do Comum, nome escolhido pelas Farc para seu partido
Símbolo da Força Alternativa Revolucionária do Comum, nome escolhido pelas Farc para seu partido

Márquez, que buscará uma vaga no Senado, assim justificou a decisão: "Pode ser que para alguns a sigla ainda represente algo negativo, mas também representa o passado de uma luta que não queremos encerrar. Não haverá mais conflito armado, mas nossa batalha continua, agora pela via legal".

Sobre o programa do novo partido, foram anunciadas algumas prioridades, como a defesa do ambiente e da diversidade, a luta contra o "domínio patriarcal", o combate à corrupção e ênfase na reorganização agrária, um dos pontos polêmicos do acordo já assinado, mas cujos detalhes precisam passar por aprovação parlamentar.

PAPA E URIBE

As Farc também enviaram um convite à Conferência Episcopal da Colômbia, que organiza a visita do papa Francisco na próxima semana, para que ele se encontre com a cúpula da ex-guerrilha.

A princípio, em sua visita ao país, o papa se encontrará apenas com vítimas da guerrilha, além do presidente Juan Manuel Santos e autoridades regionais.

Catatumbo também direcionou declarações ao principal opositor do acordo de paz, o ex-presidente Álvaro Uribe, dizendo que o novo partido gostaria de "iniciar uma fase de diálogo" com ele.

PENDÊNCIAS

Apesar da festa pelo lançamento de seu partido político, as Farc ainda têm pendências do acordo aprovado no fim do ano passado.

A mais polêmica é a relação de bens apresentada pela ex-guerrilha, que, segundo o tratado, devem ser destinados ao fundo de restituição às vítimas do conflito.

A lista entregue ao governo soma US$ 332 milhões e não inclui valores depositados fora do país ou em nomes de terceiros. Governo e da oposição estimavam que esse valor fosse bem mais alto. Cálculo da revista britânica "The Economist", por exemplo, apontava algo perto de US$ 10 bilhões.

"O documento apresentado se caracteriza pela indeterminação e deve ser corrigido o mais rápido possível", disse o procurador-geral, Néstor Humberto Martínez.

O ponto mais obscuro diz respeito às terras. As Farc dizem possuir 240 mil hectares, mas a Procuradoria exige a identificação delas com número de registro. Ao que Enrique Santiago, assessor jurídico da ex-guerrilha, responde: "As terras que as Farc ocuparam não podiam estar matriculadas porque sua ocupação foi por domínio territorial, e a guerrilha não podia matriculá-las como pessoa jurídica, por serem uma organização fora da lei."

Martínez reclamou, também, que a lista não especifica a localização das mesmas. A ex-guerrilha se prontificou a sobrevoar o país com autoridades para indicar os lugares em questão.

A Procuradoria também diz que o relatório não menciona fazendas e empresas das quais tem evidências de que pertencem a laranjas.

Para tentar resolver o problema, o presidente Juan Manuel Santos emitiu um decreto para criar uma comissão que revise a lista de bens.

Já o líder da oposição, Álvaro Uribe, disse que "os descumprimentos das Farc vêm sendo repetidos por culpa do presidente, que lhes dá muitos benefícios". Para o ex-presidente, as Farc "estão escondendo sua fortuna e não se importam porque o governo não reage".

"Também tinham que ter entregado todas as armas e não o fizeram. Tinham que entregar todas as crianças e não o fizeram. Como o governo não pune, eles seguirão desobedecendo", disse em discurso nesta semana.

De fato, segundo o tratado de paz, as Farc ainda precisam apresentar o relatório completo dos menores de idade que ainda não foram liberados, assim como informar a localização das fossas com armas que ainda não foram entregues à ONU.


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