Folha de S. Paulo


Governo omite quanta munição letal Brasil usou na missão de paz no Haiti

Reprodução
Militares brasileiros fazem sua última patrulha da missão no Haiti em Cité Soleil, favela de Porto Príncipe
Militares brasileiros fazem sua última patrulha da missão no Haiti em Cité Soleil, favela de Porto Príncipe

O Ministério da Defesa não informou à Folha a quantidade de munição letal gasta pelos militares brasileiros ao longo dos 13 anos de atuação na Minustah (missão de paz da ONU no Haiti).

Nesta quinta-feira (31), o Brasil encerrou oficialmente suas operações no Haiti. A maioria dos 950 militares remanescentes deixa o país nas próximas duas semanas.

A reportagem solicitou a informação em 22 de agosto ao Ministério da Defesa e ao Exército, por e-mail.

Dois dias depois, o Exército informou que o Ministério da Defesa envia periodicamente à ONU o pedido de reembolso da munição usada pela tropa brasileira no Haiti, tanto em operações reais como em treinamento.

Nesta quinta (31), o ministério enviou dados somente do material gasto no ano passado, quando o país estava bem mais calmo do que nos primeiros anos da missão.

Nesse período, foram usados 69 cartuchos de calibre 12 para treinamento, além de sete sprays de pimenta e duas granadas de som e luz.

Sobre os anos anteriores, o ministério não passou as informações e alegou que, "devido ao longo período de atuação, se faz necessário um levantamento minucioso de todo o material utilizado".

Na mesma resposta, a assessoria sugeriu à reportagem a usar o inventário de 2016 como "exemplo base".

Apenas em 6 de julho de 2005, no entanto, os capacetes-azuis brasileiros utilizaram mais de 16.700 cartuchos em uma megaoperação contra o líder de gangue Emmanuel "Dread" Wilme, na favela Cité Soleil, segundo reportagem do "Washington Post" da época, citando a ONU como fonte das informações.

MORTOS

No mesmo confronto, que terminou na morte de Wilme, os capacetes-azuis peruanos dispararam 5.500 cartuchos. Na época, a ONU admitiu que o enfrentamento pode ter "provocado algumas mortes" na favela de 200 mil habitantes.

Questionado sobre o número de mortos em confronto com militares brasileiros, o Ministério da Defesa disse que a pergunta deveria ser reencaminhada à ONU.

Procurada, a assessoria de imprensa da Minustah informou que não possui esta informação. Ressaltou ainda que, "de 2000 em diante, havia um estado de distúrbios civis promovidos pela violência de gangues, que resultaram na mobilização da ONU".

A Minustah também se recusou a informar o número de munição utilizada no Hati desde 2004.

Por outro lado, solicitações ao Exército sobre os militares brasileiros foram atendidas.

Desde 2004, foram 24 mortos, dos quais 18 no terremoto de janeiro de 2010, e 28 feridos. Ninguém morreu em confronto, mas houve três militares baleados.

SEM TRANSPARÊNCIA

Em entrevista à Folha, o ativista de direitos humanos Mario Joseph disse que não há como estimar o número de civis mortos: "O problema é que, quando a Minustah faz alguma coisa errada, eles negam e não permitem organizações a fazer esse tipo de investigação."

Bastante reconhecido no país e opositor da missão da ONU, ele acusou os militares brasileiros de violência.

"Na TV, os soldados brasileiros dão comida e água. No Haiti, eles matam pessoas", disse Joseph.

Joseph lidera um movimento que exige indenizações a supostas vítimas haitianas dos capacetes-azuis, sobretudo vítimas da epidemia de cólera, trazida por soldados nepaleses, que deixou ao menos 9.000 mortos.

Ele também representa dez mulheres haitianas que teriam engravidado de capacetes-azuis, mas nenhum dos supostos pais é brasileiro.

O Brasil enviou 37.500 soldados ao Haiti ao longo de 13 anos de missão. Nenhum foi formalmente investigado nem repatriado por violar as regras de conduta.

Entre os de outros países, houve casos confirmados envolvendo militares de Sri Lanka, Uruguai e Nepal.

A missão no Haiti foi a maior operação militar do Brasil no exterior desde a Guerra do Paraguai (1864-1870).

Reprodução
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, participa da cerimônia de encerramento da missão no Haiti
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, participa da cerimônia de encerramento da missão no Haiti

ENCERRAMENTO

Em cerimônia sem a presença de autoridades locais, o Brasil encerrou sua participação na missão no Haiti.

A solenidade, no batalhão brasileiro, teve a presença do ministro da Defesa, Raul Jungmann, e de só dois parlamentares, o senador Fernando Collor (PTC-AL) e a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP).

Na chegada da comitiva, houve um momento constrangedor para Collor. O comandante militar da Minustah (missão de paz da ONU no Haiti), general Ajax Porto Pinheiro, não cumprimentou o ex-presidente, réu na Operação Lava Jato por desvios em uma subsidiária da Petrobras.

Em discurso, Jungmann pediu um minuto de silêncio aos 24 militares brasileiros mortos na missão e disse que "não viemos aqui com interesses comerciais, não viemos fazer negócio. Viemos trazer solidariedade".


Endereço da página:

Links no texto: