Folha de S. Paulo


Morte da princesa Diana foi momento da verdade para família real britânica

Quase qualquer pessoa do Reino Unido será capaz de dizer onde estava e o que estava fazendo na manhã de 31 de agosto de 1997, quando o mundo descobriu que Diana, princesa de Gales, havia morrido em um acidente de automóvel em Paris. O mesmo certamente se aplica a milhões de outras pessoas em todo o mundo.

O povo britânico ainda não superou o acontecido. Nem tanto por incapacidade de se ajustar à morte de uma princesa imensamente bonita que parecia personificar um sonho de menina tornado pesadelo, mas sim por aquilo que a morte dela representou. Foi o momento em que a família real britânica chegou ao mundo moderno.

Diana foi a última dos consortes reais a ser escolhida com base nos preconceitos antediluvianos de um domicílio que claramente não compreende o mundo que existe fora do palácio. Ela foi uma das últimas vítimas de uma mentalidade para qual o propósito de educar meninas era ensiná-las a usar luvas brancas e se comportar devidamente ao abrir festivais locais.

Certa vez participei da mesa julgadora de um quiz no qual uma das perguntas era "a única qualificação formal que a princesa Diana recebeu na escola foi um certificado por ter cuidado bem do quê?" Uma das mesas participantes respondeu "sua virgindade" (a resposta correta era um hamster ou porquinho da índia). Mas a realidade é que ela não conseguiu nota mínima de aprovação em nenhuma das matérias de seu curso de segundo grau, apesar de ter feito o exame duas vezes.

E de lá ela partiu para a Suíça, onde fez uma escola preparatória e um curso de culinária, seguidos por um emprego como assistente de ensino em uma pré-escola. Era assim que as famílias ricas tratavam suas filhas. Kate Middleton, a filha de uma comissária de bordo que se casou com o filho mais velho de Diana, pelo menos se diplomou por esforço próprio (em história da arte) pela Universidade St. Andrews, enfrentando outros candidatos em competição aberta.

Quando o casamento entre Diana e o príncipe Charles se deteriorou e eles se divorciaram, em 1996, o casal simplesmente fez o que milhares de outros casais fizeram naquele ano. (De lá para cá, o índice de divórcios despencou; acredita-se que isso tenha acontecido, entre outras coisas, porque agora o público aceita mais que as pessoas vivam juntas sem se casarem).

Diana e Charles tiveram de passar a noite anterior ao seu casamento em edificações separadas. Hoje, ninguém (nem mesmo o jornal "Daily Express") trata com reprovação as notícias sobre as noites que a suposta namorada do príncipe Harry passa com ele no Palácio de Kensington.

É trágico, claro, que tenha sido necessário um acidente terrível para que a família real se adaptasse a mudanças sociais que outros já haviam aceitado há anos. E, por alguns dias, a casa de Windsor pareceu trêmula e insegura. Seu silêncio audível permitiu que "especialistas" imbecis exigissem que a bandeira fosse hasteada a meio mastro no palácio de Buckingham. Isso não pode acontecer, pelo simples motivo de que o país jamais deixa de ter um rei –o que explica o ditado "o rei morreu. Vida longa ao rei".

Em lugar disso, a monarquia se tornou mais triste e mais sábia, com a morte de Diana. Os Windsor continuam a ser a mais grandiosa das casas reais europeias e serão precisos muitos anos –se que é isso acontecerá um dia– para que se tornem uma "monarquia ciclística" como as do continente. A mudança vem sempre devagar para a casa real britânica. Mas esse talvez seja um dos segredos de sua longevidade.

Nos anos transcorridos desde a morte de Diana, a posição da rainha foi restaurada e, embora ninguém afirme que o príncipe Charles é uma figura popular, o público parece ter apreço real por sua nova mulher. E todos os monarquistas compreendem o princípio de que a sucessão é determinada pelos acasos do nascimento, o que significa que é preciso aceitar que alguns dos membros dessa família singularmente privilegiada sejam populares e outros impopulares, que alguns sejam sábios e outros tolos, que alguns sejam bonitos e outros não. Como acontece com todos nós.

A maior mudança parece ter ocorrido no país do qual Diana poderia ter sido rainha, um dia. Uma espécie de histeria varreu o Reino Unido nos dias posteriores à morte dela, o que confundiu muitos observadores. Mas grandes manifestações de emoção popular jamais estiveram muito abaixo da superfície, como os relatos sobre o retorno do corpo do almirante Nelson, sobre a morte do general Kitchener e sobre o funeral de Winston Churchill comprovam.

Os britânicos continuam a ser um povo reservado e dedicado aos seus deveres. Mas a fleuma foi só uma moda estoica e passageira da era vitoriana, e o serviço fúnebre de Diana pôs fim a isso. Em documentários de TV recentes quanto ao aniversário da morte de Diana, os filhos dela falaram com franqueza sobre o seu pesar, e se eles podem fazê-lo, todo mundo também deveria ter esse direito.

É evidente que o Reino Unido não é mais o país que era em 1997. O fim de Diana foi um choque terrível para todos. Foi necessária a morte de uma jovem privilegiada para que aqueles que um dia poderiam ter se tornado seus súditos se libertassem.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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