Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Ameaça norte-coreana ao Japão eleva o risco de erro de cálculo

Kim Kyung-Hoon/Reuters
Mulher em Tóquio, no Japão, próximo a monitor que mostra trajetória de míssil lançado pela Coreia do Norte
Mulher em Tóquio, no Japão, próximo a monitor que mostra trajetória de míssil lançado pela Coreia do Norte

Ao sofrer na prática a ameaça que os EUA receberam na teoria, um teste de míssil norte-coreano perto de seu território, o Japão ganhou mais argumentos para reforçar sua posição militar na Ásia.

O premiê Shinzo Abe já vem, ao longo dos anos, estimulando sentimentos nacionalistas. O faz com calculado cuidado, dada a herança que o militarismo nipônico do começo do século 20 deixou para o país: seu expansionismo durante os anos 1930 e na Segunda Guerra Mundial esfacelou cidades, duas delas com bombas atômicas, e colocou o Estado sob tutela militar americana.

A própria Constituição do pós-guerra japonês nega capacidades ofensivas ao país, embora isso seja uma cortina de fumaça. Em nome da autodefesa, as Forças Armadas do país contam com avançado equipamento, em especial a Marinha, e irão receber caças de última geração F-35 dos EUA. O contingente é de 247 mil soldados.

Os EUA mantêm grande presença, com 47 mil homens, 88 caças-bombardeiros, aviões de apoio e, acima de tudo, um grupo de porta-aviões baseado no país.

O grande adversário estratégico do Japão, assim como dos americanos na região, não é Kim Jong-un, e sim o regime comunista da China. A ditadura irmã serve de intermediária no jogo de Pequim, que também não quer ver uma Coreia do Sul capitalista e com tropas americanas dominar a península ao sul de sua fronteira.

Isso tudo aumenta a inquietação com o lançamento do míssil sobre o território japonês.

Recapitulando : após lançar com sucesso dois mísseis intercontinentais teoricamente capazes de atingir os EUA, Kim foi ameaçado pelo presidente Donald Trump de sofrer com "fogo e fúria". O regime então disse que iria fazer um teste com foguetes em torno da ilha americana de Guam, base avançada de Washington no Pacífico.

Pressionado pela China, que anunciou suspender importação de produtos norte-coreanos, Kim modulou o discurso e disse que iria pensar no assunto. Abriu-se uma janela de negociação, estimulada pelo Departamento de Estado americano, apesar de toda a retórica do comandante-em-chefe do país.

De lá para cá, algo de errado parece ter acontecido nas conversas. Pyongyang fez o equivalente a ameaçar Guam ao empregar o foguete Hwasong-12 sobre o Japão. Pode haver uma sinalização chinesa aos japoneses embutida no lançamento norte-coreano. Ao mesmo tempo, o míssil é exatamente do mesmo modelo que as forças de Kim haviam prometido usar contra Guam, o que pode ensejar uma espécie de aviso prévio.

O cenário é obscuro, mas movimentos bruscos como esse aumentam a possibilidade de algum dos lados errar a dosimetria na troca de pressões, causando uma tragédia.


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