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Devastado por desastres no passado, Haiti tenta resgatar turismo

Danilo Verpa/Folhapress
Turistas se divertem na praia do Royal Decameron Indigo Beach Resort & Spa, em Montrouis, no norte do Haiti
Turistas se divertem na praia do Royal Decameron Indigo Beach Resort & Spa, em Montrouis, no norte do Haiti

Quando viu na internet fotos da costa haitiana, a turista Mathania Louis, 28, desconfiou de que tivessem sido adulteradas. Decidiu arriscar-se e descobriu que as imagens não refletiam a realidade —mas com o sinal inverso.

"Estou muito surpresa, não esperava tanto", disse Louis, ao voltar de um passeio de barco por piscinas naturais de águas mornas e transparentes. "Além disso, o resort é seguro e bem organizado."

Marcado pela pobreza, pelos desastres naturais e pela instabilidade política, o Haiti é um destino pouco óbvio para férias, mas novos projetos vêm tentando reerguer o turismo, uma eterna promessa do país.

Potencial não falta: o Haiti tem 1.771 km de costa caribenha, dos quais poucas dezenas são atualmente aproveitadas para o lazer.

O principal investimento recente é o Royal Decameron Indigo Beach, em Montrouis (a 70 km de Porto Príncipe). Aberto há um ano e meio, é o único resort do país pertencente a uma cadeia internacional. Tem 400 quartos, cerca de 500 funcionários e registra uma taxa de ocupação de 82%.

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Praia do Moulin Sur Mer Beach Resort, em Montrouis, no norte do Haiti; país tenta resgatar turismo
Praia do Moulin Sur Mer Beach Resort, em Montrouis, no norte do Haiti; país tenta resgatar turismo

Ao norte, Cap-Haitien terá em breve um hotel da franquia Marriott, também voltado ao turismo de praia. Porto Príncipe já tem um hotel da marca, aberto em 2015.

"O turismo impacta vários setores da economia", diz o diretor comercial, o haitiano Christian Fombrun, 34, formado em hotelaria e turismo na Flórida. "Geramos demanda para a agricultura, para a cultura e para diversos tipos de serviços."

Criada na Colômbia nos anos 1980 —auge da narcoviolência—, a Decameron é especializada em investir em lugares fora dos grandes centros de turismo.

Sua rede de 35 hotéis inclui a costa salvadorenha e a Amazônia colombiana.

No Haiti, investiu US$ 15 milhões (R$ 47,5 milhões) para reformar e ampliar um hotel subutilizado. O prédio, incorporado por contrato de 20 anos, foi construído pela rede francesa ClubMed, nos anos 1970, quando o país ainda estava na rota principal do turismo caribenho.

TURISTAS NACIONAIS

Em Montrouis, boa parte dos turistas é formada por filhos de imigrantes haitianos radicados nos EUA, na França e no Canadá.

Ao contrário dos pais, traumatizados com a difícil vida haitiana, demonstram interesse crescente em visitar o país ancestral.

É o caso de Louis. Nascida em Nova York, veio acompanhada por duas irmãs. Antes do resort, elas visitaram parentes em Porto Príncipe. "Superei o medo dos meus pais e vim conhecer o país como ele é", diz.

Outra clientela importante é da missão de paz da ONU. No último fim de semana, havia vários militares brasileiros no hotel. Um deles vestia chapéu de pescador azul com o símbolo das Nações Unidas (espécie de versão praiana dos famosos capacetes). Há também franceses, canadenses e mochileiros ocasionais.

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Turistas observam o pôr-do-sol bebendo na praia de Montrouis no Moulin Sur Mer Beach Resort
Turistas observam o pôr-do-sol bebendo na praia de Montrouis no Moulin Sur Mer Beach Resort

Os números, no entanto, são modestos. Em 2015, 516 mil estrangeiros visitaram o país, incluindo funcionários da ONU e missionários. Na vizinha República Dominicana, foram 5,6 milhões no mesmo período, de acordo com o Banco Mundial.

Os desafios para o turismo em massa são múltiplos.

O Haiti tem graves problemas estruturais, como estradas precárias, o acanhado aeroporto da capital e a falta de coleta de lixo —mesmo na área turística, a quantidade de plástico boiando pode incomodar.

A violência, no entanto, não é um deles. Com a exceção de Porto Príncipe, que concentra quase 80% dos assassinatos ocorridos no país, o restante do Haiti é bem mais seguro do que a maior parte da América Latina.

A taxa de homicídio está em 9,6 por 100 mil habitantes, cerca de um terço da taxa do Brasil. "Vejo alguns pequenos problemas que não encontrei em outros resorts que conheci", diz Louis.

"Mas não quero comparar. É um experiência única num país que passou por muita coisa. Se as pessoas superarem o medo, o turismo vai explodir de novo."


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