Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Livro relata guerra civil que consolidou a Revolução Russa

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Tropas se preparam para o combate em São Petersburgo (Rússia) nos primeiros dias da Revolução Russa, em 1917. (Reprodução) *** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM ***
Tropas se preparam para o combate em São Petersburgo (Rússia) nos primeiros dias da Revolução Russa, em 1917

Em junho de 1918, menos de um ano após a tomada do poder pelos bolcheviques, um desolado Leon Trotsky era a imagem do pessimismo.

"Uma única preocupação, uma única ansiedade domina neste momento todos os nossos pensamentos, todos os nossos ideais: como sobreviver amanhã", disse.

Recém-designado comandante do Exército Vermelho, Trotsky tinha a difícil tarefa de evitar uma contrarrevolução dos "brancos", como era conhecida a fluida coalizão de monarquistas, social-democratas e provocadores a soldo das potências europeias, que buscavam reverter o movimento comunista.

Na avalanche comemorativa dos 100 anos da Revolução Russa, a serem completados em outubro, um aspecto crucial pode ficar em segundo plano: o movimento bolchevique demorou a se consolidar e, em determinados momentos, esteve muito perto de entrar em colapso.

Este ponto é o mote do recém-lançado no Brasil "História da Guerra Civil Russa - 1917-1922", do historiador francês Jean-Jacques Marie (editora Contexto).

Como a obra aponta, o conflito tem mais nuances do que uma simples disputa entre "vermelhos" e "brancos".

Suprimidos da historiografia soviética, os "verdes", por exemplo, ganham registro à altura de seu papel. Essas milícias camponesas, surgidas em diversos pontos do vasto território russo, rebelaram-se contra seus supostos libertadores comunistas, motivados pelo mesmo tormento que os afligia na era czarista: a fome.

"Vocês, comunistas, são uns ladrões! Vivia-se mais ou menos bem na época do czar, havia dinheiro e mercadorias", brada um líder dos "verdes" citado na obra.

A reação foi tão grande que, em 1921, Lênin recuou de um decreto que confiscava de produtores siberianos parte do trigo que produziam. O líder da revolução permitiu que excedentes produzidos no campo fossem comercializados, numa concessão às relações capitalistas. Era a sobrevivência do novo regime, afinal, que estava em jogo.

Marie, um especialista em União Soviética e comunismo e autor de biografias de Lênin, Trotsky e Stálin, debruçou-se sobre documentos e relatórios para reconstruir esse período relativamente pouco estudado, mas fundamental para o entendimento de como os revolucionários mantiveram-se no poder e evoluíram para a concepção de Estado totalitário.

Criterioso, ele rejeita as estimativas mais elásticas da mortandade que o conflito causou, algumas chegando a 20 milhões de vítimas. Com base em estatísticas de números de órfãos e registros de migrações, defende a cifra de 4,5 milhões de mortos -ainda assim uma enormidade, cerca de 3% da população.

Só o Exército Vermelho, que no início era pouco mais do que uma massa de desempregados sem treinamento militar, perdeu 1 milhão de homens, dois terços por fome, frio e doenças.

Mesmo com os percalços, triunfaram a maior organização bolchevique, sua solidez ideológica interna e o talento e crueldade de seus líderes. Ao término da guerra, minorias haviam sido dominadas da Ucrânia à Ásia Central e nacionalismos, subjugados. O império soviético, que assombraria o Ocidente até o fim do século, estava de pé.

HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL RUSSA - 1917-1922 (bom)
AUTOR Jean-Jacques Marie
EDITORA: Contexto (274 págs.)
QUANTO R$ 47,90


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