Folha de S. Paulo


Conflito indígena afeta eleição argentina

Martín Zabala/Xinhua
Ativistas argentinos pedem que o governo encontre Santiago Maldonado, que sumiu em um protesto de índios mapuche
Ativistas argentinos pedem que o governo encontre Santiago Maldonado, que sumiu em um protesto

Um conflito territorial que vem desde os tempos coloniais, no sul da Argentina, se transformou num incômodo problema político em meio a uma campanha eleitoral –o país renova boa parte de seu Congresso em 22 de outubro.

Desde 1º de agosto está desaparecido Santiago Maldonado, 28, ativista de direitos humanos nascido na Província de Buenos Aires. Ele sumiu ao tentar escapar de policiais que reprimiam um protesto de índios mapuche em Esquel, na Patagônia.

O desaparecimento de Maldonado alimentou a campanha eleitoral. Ativistas de esquerda e ligados à ex-presidente Cristina Kirchner acusam as forças de segurança do governo de Mauricio Macri de terem agido com brutalidade, e com isso serem responsáveis "por mais um desaparecido" no país, fazendo uma alusão à ditadura militar argentina (1976-1983).

Na última semana, ativistas de direitos humanos e militantes kirchneristas fizeram uma manifestação pelas ruas de Buenos Aires com pôsteres de Maldonado, terminando na Praça de Maio.

O governo se defende dizendo que investiga o paradeiro do rapaz. Estabeleceu uma recompensa de US$ 27 mil (R$ 85 mil) por informações sobre sua localização, e vem vasculhando a região onde ele sumiu diariamente.

À Folha, Sergio Maldonado, irmão de Santiago, acusa o governo de tratar o caso desaparecimento comum, não forçado. "A família está indignada e sente que as autoridades estão desviando o foco das investigações por conta de propósitos políticos."

Ele se refere à ênfase do governo ao combate à Resistência Autônoma Mapuche (RAM), grupo radical envolvido nos protestos em Esquel.

Os indígenas questionam a instalação de uma fazenda comprada pela Benetton, na qual a empresa cria ovelhas para a produção têxtil. A comunidade diz ter sido expulsa dessas terras. Desde então, conflitos de diferentes níveis de violência já ocorreram.

A mais recente onda veio no primeiro semestre, quando um grupo de ativistas mapuche interrompeu o tráfego de uma estrada e dos trilhos de um trem turístico. Nove indígenas e cinco oficiais saíram feridos no enfrentamento com a polícia.

O líder desse grupo mapuche, Facundo Jones Huala, 31, estava entre as dez pessoas que foram presas. Embora de origem argentina, Huala tem um pedido de extradição feito pelo Chile para que responda por crimes cometidos no país, entre eles tentativa de homicídio por incendiar propriedades com pessoas dentro e incitação à violência.

Desde então, protestos têm sido convocados para exigir a soltura de Huala. Foi na repressão a um deles que Maldonado desapareceu.

Em entrevista coletiva na quinta (17), a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, separou as duas situações. "Uma coisa é a investigação sobre o desaparecimento de Maldonado, na qual estamos empenhados", disse.

"Outra são os delitos que vem sendo cometidos pela RAM, que devem ir à Justiça e não expressam a voz da maioria do povo mapuche. Este é um grupo extremista, que provoca incêndios em plantações, em prédios públicos e que incentiva a violência", afirmou Bullrich.

DISPUTA

Os mapuche, povo originário do sul da Patagônia, se espalham hoje entre território chileno e argentino. São, ao todo, 1,7 milhão de pessoas –a maioria vive do lado chileno da fronteira.

Há diversos grupos que fazem reivindicações em níveis diferentes. Existem os que pedem demarcação de territórios, o direito à soberania e o ensino da cultura mapuche nas escolas. Além disso, há os mais radicais, que reivindicam o reconhecimento de uma nação mapuche, independente dos dois países.

Entre os ativistas mais violentos estão aqueles que promovem ataques a instalações do governo, destinos turísticos e propriedades de multinacionais de diferentes setores, como o energético, o agrícola e o de mineração.

O governo de Mauricio Macri faz declarações pela paz na região e acenos à comunidade indígena moderada.

"A Constituição reconhece os direitos dos povos originários e somos um Estado democrático que busca uma convivência harmônica com eles. Os extremistas são minoritários", insiste Bullrich.

O discurso apaziguador das autoridades, porém, não convence as lideranças mapuches mais exaltadas.

"De quem é a Patagônia? Alguém está levando em consideração que nossos ancestrais foram presos, levados a diferentes partes do país para que nossa cultura se diluísse? Quem repara esses crimes?", pergunta a porta-voz da RAM, Soraya Maicoño.

CHILE

Já no Chile, desde a gestão do conservador Sebastián Piñera (2010-2014), os crimes cometidos pelos mapuche são enquadrados pela Justiça na Lei Antiterrorista.

Entidades de direitos humanos e de defesa dos indígenas protestam, e uma das promessas de campanha da presidente Michelle Bachelet, de centro-esquerda, que termina seu mandato no começo de 2018, era derrubar esse recurso e tentar uma reaproximação com os indígenas por meio do diálogo.

Ela, porém, não conseguiu convencer o Congresso e o recurso continua em vigor. O aumento da tensão entre os ativistas mapuche e o Estado chileno promete ser também um tema na campanha das eleições presidenciais em novembro, em que será escolhido o sucessor de Bachelet.

O favorito na disputa é Piñera, que, assim como em seu primeiro governo, promete endurecer o combate às ações dos grupos mais radicais, que chama de terrorismo.


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