Folha de S. Paulo


Trump enfrenta isolamento após poupar supremacistas de críticas

O presidente Donald Trump passa por seu maior isolamento político desde que assumiu a Casa Branca após a sua contestada reação à violência de supremacistas brancos durante protesto em Charlottesville, que deixou um morto no sábado (12).

Nos últimos cinco dias, políticos, empresários, militares e lideranças internacionais criticaram a postura de Trump de equiparar as ações dos dois grupos de manifestantes —fascistas e antifascistas—, e por ter demorado a condenar diretamente a violência de supremacistas, Ku Klux Klan e neonazistas.

Jonathan Ernst - 12.ago.2017/Reuters
O presidente dos EUA, Donald Trump, comenta a violência em Charlottesville no último sábado (12)
O presidente dos EUA, Donald Trump, comenta a violência em Charlottesville no último sábado (12)

Nesta quinta (17), um alto funcionário da Casa Branca revelou que o presidente desistiu de formar um Conselho Consultivo sobre Infraestrutura, em mais um recuo após perder a adesão de grandes empresários e se ver obrigado a anunciar a dissolução dos já formados Conselho de Indústria e Fórum de Estratégia e Política, na quarta (16).

"A reação negativa aos comentários de Trump não tem precedentes, e grande parte da pressão vem de áreas importantes de sua base —republicanos do Congresso e líderes empresariais. Além disso, líderes das forças armadas, indiretamente, mas com bastante firmeza, sinalizaram sua preocupação", diz Donald Kettl, especialista do Instituto Brookings. "Trump nunca esteve tão isolado como agora."

Na terça, pouco depois de o presidente recuar das declarações dadas na véspera e dizer aos jornalistas que os dois lados tinham culpa, o presidente da Câmara, Paul Ryan, importante aliado de Trump, se posicionou novamente, marcando sua distância da visão do presidente.

"A supremacia branca é repulsiva. (...) Não pode haver ambiguidade moral", disse Ryan, sem ciar Trump.

Nesta quinta, o presidente atacou dois senadores republicanos que criticaram sua reação a Charlottesville: Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e Jeff Flake, do Arizona, a quem Trump chamou de "tóxico".

Kettl ressalta que o presidente não se pode dar ao luxo de entrar em confronto com os membros do seu partido no Congresso, em especial no Senado, onde os republicanos têm uma maioria apertada de 52 assentos e fracassaram recentemente em passar um projeto para substituir o Obamacare —sua promessa de campanha.

"Será cada vez mais difícil passar questões importantes se Trump estiver isolado. Ele poderá acabar assumindo um papel de apenas responder às iniciativas que os republicanos conseguirem aprovar no Congresso", afirma.

O consultor republicano Ryan Williams, que atuou na campanha de Mitt Romney em 2012, é ainda mais categórico, dizendo que Trump "não tem mais capital político".

"Ele não tem influência no Capitólio, é apoiado agora apenas por sua base e parece que continuará colocando os republicanos em uma posição ruim", disse Williams ao site político "The Hill".

Kettle considera que o pior inimigo de Trump é a "ausência de filtro entre seus instintos e suas palavras".

"Ele está convencido que essa estratégia deu certo para ele durante a eleição. E, de fato, deu. Só que o que funciona na campanha geralmente se torna uma estratégia arriscada no governo", diz.

Para o especialista, os comentários do presidente sobre Charlottesville não chegaram a ser um "passo político fatal", mas "feriu gravemente" o presidente.

Para ele, "há formas de ele reverter essa tendência perigosa, mas isso vai exigir que ele se afaste dos seus instintos e se torne mais disciplinado —o que ele não parece disposto a fazer", disse.


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