Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Ao igualar manifestantes, Trump estimula supremacistas nos EUA

Nesta terça-feira (15), o presidente Donald Trump estimulou o movimento nacionalista branco norte-americano de uma maneira que presidente algum havia feito em décadas, ao igualar manifestantes que protestavam contra o racismo aos neonazistas e supremacistas brancos que promoveram arruaças em Charlottesville, Virgínia, no final de semana.

Ele jamais havia ido tão longe na defesa das ações desses grupos quanto fez em uma briga aos gritos em uma entrevista coletiva no saguão dourado da Trump Tower, afirmando iradamente que os ativistas da chamada esquerda alternativa eram tão responsáveis pelo sangrento confronto quanto os manifestantes que brandiam suásticas, bandeiras confederadas, faixas com dizeres antissemitas e placas que diziam "Trump/Pence".

"Obrigado, presidente Trump, por sua honestidade e coragem ao dizer a verdade", postou David Duke, antigo líder do Ku Klux Klan (KKK), no Twitter, pouco depois da fala de Trump.

Richard Spencer, um líder nacionalista branco que participou das manifestações do final de semana e prometeu protestos repetidos em Charlottesville nas próximas semanas, se declarou igualmente encorajado.

"A declaração de Trump foi justa e sensata", afirmou Spencer no Twitter.

O governador da Virgínia, o democrata Terry McAuliffe, não demorou a acusar o presidente de agravar as divisões que colocaram sob os holofotes uma cidade universitária normalmente pacata.

"Os neonazistas, membros do Klan e supremacistas brancos vieram a Charlottesville pesadamente armados, gritando seu ódio e querendo briga", disse McAuliffe. "Um deles assassinou uma jovem em um ato de terrorismo interno, e dois de nossos melhores policiais foram mortos em serviço em um trágico acidente, enquanto protegiam esta comunidade. Isso não tem nada de 'os dois lados são iguais'".

Nenhuma expressão no vocabulário de Trump está mais desgastada do que "sem precedentes". Mas membros da equipe presidencial, chocados e desanimados, disseram que jamais haviam esperado ouvir uma articulação tão volúvel das opiniões que o presidente há muito costuma expressar em foro privado.

Gary Cohn, presidente do Conselho Econômico Nacional, e Steve Mnuchin, secretário do Tesouro, ambos judeus, assistiram, com expressões de desconforto, enquanto o presidente exacerbava uma controvérsia que já havia causado tumulto na Casa Branca.

"Eu condenei os neonazistas", disse Trump a jornalistas, que o interrompiam constantemente quando ele parecia estar igualando as ações dos manifestantes dos dois lados.

Ele falou de "pessoas muito boas dos dois lados". E, sobre os manifestantes que se reuniram na noite de sexta-feira, alguns gritando lemas racistas e antissemitas, ele disse que "havia muita gente naquele grupo que estava lá para protestar inocentemente e de maneira muito legal".

Desde os anos 60, políticos republicanos vêm apelando vigorosamente aos eleitores brancos, especialmente os do Sul, em bases culturais amplas. Mas eles em geral adotaram linha dura contra a ala racista, antissemita e nativista do partido. Ronald Reagan, George Bush e George W. Bush condenaram os supremacistas brancos inequivocamente.

Em 1991, o presidente Bush pai criticou Duke, que era candidato ao governo da Louisiana, declarando que "quando alguém endossou o nazismo recentemente, é inconcebível que possa aspirar de modo razoável a um papel de liderança em uma sociedade livre".

Mas Trump, que vem declarando repetidamente não ser preconceituoso, não foi firme em seus pronunciamentos públicos e privados contra os supremacistas brancos e outras organizações racistas.

No sábado, em seus primeiros comentários sobre Charlottesville, Trump culpou manifestantes "de todos os lados" pela violência.

Depois que suas declarações provocaram uma tempestade de criticas, os assessores de Trump o persuadiram a moderar sua mensagem, culpando explicitamente os agitadores de extrema direita pela violência, o que levou a uma crítica mais forte contra os grupos de ódio –encaminhada por e-mail a jornalistas e atribuída a um "porta-voz" não identificado.

Quando isso não bastou para debelar a controvérsia, assessores do presidente, entre os quais John Kelly, o novo chefe de sua Casa Civil, o pressionaram a fazer nova declaração pública.

Ivanka, a filha de Trump, e seu genro Jared Kushner o instaram a assumir posição mais moderada, de acordo com duas pessoas familiarizadas com a situação. Mas como em muitos outros momentos críticos da Presidência de Trump, o casal estava de férias em Vermont.

O presidente concordou a contragosto com essas sugestões.

"O racismo é um mal", declarou o presidente na segunda-feira, falando na Casa Branca, em uma declaração que foi redigida em companhia de assessores durante viagens de avião e helicóptero.

"Aqueles que causam violência em seu nome são criminosos e malfeitores, incluindo o KKK, supremacistas brancos e outros grupos de ódio", ele acrescentou –em resposta à condenação bipartidária às suas declarações mais equívocas durante as primeiras 48 horas da crise.

Mas o tom unificador que ele adotou, caracterizado por sua equipe como mais presidencial, não demorou a dar lugar à abordagem usual de Trump.

Logo que fez a declaração da segunda-feira, ele começou a se queixar da imprensa aos seus assessores. Expressou irritação a eles sobre o tratamento injusto que estava recebendo, e expressou simpatia para com os manifestantes não violentos que afirmou estarem defendendo sua "herança", de acordo com um funcionário da ala executiva da Casa Branca.

O presidente sentia já ter cedido terreno demais aos seus oponentes, disse esse funcionário.

Trump se orgulha do estilo inflexível que aprendeu com seu pai Fred Trump, incorporador imobiliário em Nova York, e com Roy Cohn, um combativo advogado que foi assessor do senador Joseph McCarthy nos anos 50.

Na campanha presidencial de 2016, Trump atraiu número significativo de seguidores entre os supremacistas brancos, expressou simpatia aos sulistas brancos que lutavam para preservar monumentos que celebram ícones confederados, e demorou a se distanciar de racistas como Duke.

A fúria do presidente aumentou na segunda-feira quando membros do conselho de negócios da Casa Branca começaram a renunciar em protesto contra sua reação aos acontecimentos de Charlottesville. Como de hábito, Trump encontrou sua voz em tuítes furiosos sobre a mídia.

Pela tarde da terça-feira, a equipe presidencial sentia que um ciclo conhecido estava culminando: o presidente estava a ponto de reverter à sua postura inicial, mais desafiadora. Quando Trump se aproximou do microfone no saguão da Trump Tower, terça-feira, os assessores temiam o que poderia acontecer em um contado direto com a mídia. E com razão.

Trump disse, bem no começo sua interação com repórteres, que os grupos da "esquerda alternativa" também eram "muito, muito violentos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: