Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Pressão chinesa definirá se recuo de Kim abre janela de negociação

KRT/Associated Press (video)
FILE - This file image made from video of an undated still image broadcast in a news bulletin on Monday, May 15, 2017, by North Korea's KRT shows leader Kim Jong Un at what was said to be a missile test site at an undisclosed location in North Korea after the North on Monday, May 15 boasted of a successful weekend launch of a new type of
Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ao lado de míssil balístico

O acirramento da tensão em torno da Coreia do Norte levou a um recuo tático do ditador Kim Jong-un, e uma janela de negociação se abre caso a China mantenha a promessa de pressionar a ditadura comunista irmã ao sul de sua fronteira.

Após o presidente Donald Trump ter ameaçado usar "fogo e fúria" contra Kim, a ditadura retrucou prometendo testar mísseis contra águas próximas ao território americano de Guam. A provocação, que levaria a uma escalada quase inevitável, foi colocada em suspenso pelo ditador nesta terça (15).

Menos que a troca de bravatas militaristas, o que pesou foi a decisão chinesa de respeitar uma decisão da ONU e cortar a compra de minérios e pescado da ditadura, anunciada na segunda (14). Pequim é a razão de sobrevivência do regime, economicamente: além de ser destino preferencial de suas já magras exportações, é o principal fornecedor de petróleo para Kim.

Resta saber se Pequim fará o que promete desta vez. No início de seu governo, Trump cobrou publicamente do dirigente chinês Xi Jinping que aplicasse seu garrote contra os norte-coreanos. Houve uma pouco usual admoestação do vizinho ao sul, mas o tempo passou e Kim conseguiu lançar dois mísseis balísticos com capacidade de atingir os Estados Unidos.

Ainda que não esteja certo que eles já possam carregar ogivas nucleares, a linha vermelha estabelecida por Washington for ultrapassada, levando à escalada retórica recente. A China, pressionada novamente, agora parece que vai exercer sua influência.

Não lhe resta muita opção, até porque a Pequim é interessante que a dinastia comunista norte-coreana sobreviva, por mais aberrante que o regime seja. Sem Kim, a China antevê fazer fronteira com uma Coreia unificada capitalista e presumivelmente mais próspera, além de hospedeira de 30 mil soldados norte-americanos. De quebra, o processo de desestabilização levaria a uma crise humanitária em suas fronteiras, com o previsível fluxo de refugiados.

A questão é ver o quão para valer será o uso do garrote chinês. É aqui que os atores regionais envolvidos na crise entram, cada qual com seu interesse.

Para a Coreia do Sul, o conflito é um pesadelo, por devastador: Seul corre o risco de ser obliterada. O Japão anda mais belicoso não só porque quer anular a ameaça de ver Toquio bombardeada com uma arma nuclear, mas também porque quer reforçar sua posição no teatro estratégico do Pacífico Ocidental, amplamente dominado pela sombra chinesa.

Já a Rússia, antiga protetora da dinastia Kim nos tempos da União Soviética, não gostaria de ver a Coreia unificada e os EUA com uma ponta de lança ainda mais sólida junto à sua fronteira menos protegida, o Extremo Oriente.

A possibilidade de negociação está posta. Na última vez que uma janela dessas ocorreu, após a ação militar quase ser decidida pelo então presidente Bill Clinton nos anos 90, Pyongyang se deu bem: o regime sobreviveu, e houve a entrada de auxílio tecnológico que acabou por fomentar o mesmo programa de armas que era o alvo das ameaças.


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