Folha de S. Paulo


Grupos de extrema direita ganham visibilidade nos EUA após protesto

Foi um final de semana mortífero, de batalhas de rua raivosas. E depois das violentas manifestações em Charlottesville, Virgínia, os líderes de grupos nacionalistas brancos americanos declararam vitória.

"Foi uma grande vitória moral em termos de demonstração de força", disse Richard Spencer, figura da extrema direita que foi a Charlottesville para discursar no comício "Unite the Right" [unir a direita], na manhã de sábado (12).

A declaração de Spencer, em entrevista na noite de sábado, foi típica de um homem que abriu seu caminho a cotoveladas –retóricas– para ganhar espaço no debate nacional, usando linguagem nazista e afirmando inequivocamente que os Estados Unidos pertencem aos brancos.

E, de fato, as manifestações de Charlottesville talvez tenham sido a mais visível manifestação até agora da evolução da extrema direita, uma coalizão de novos e velhos grupos proponentes da supremacia branca conectados via mídia social e estimulados pela eleição de Donald Trump.

No entanto, não ficou claro de maneira alguma o que as manifestações significaram para o futuro do movimento e que efeito duradouro, se algum, elas terão. A exibição aberta de racismo devolverá a extrema direita a uma posição marginal na política ou servirá para normalizar o movimento, permitindo que ele se integre de maneira mais profunda à conversação nacional?

Muitos americanos assistiram atentamente às marchas desses grupos pelas ruas de Charlottesville, aos seus cânticos antissemitas e à exibição aberta de símbolos da Alemanha nazista e de símbolos sulistas da era da secessão.

E muita gente acompanhou horrorizada o choque de um carro em alta velocidade com outros veículos em uma rua lotada, no sábado, resultando na morte de uma mulher de 32 anos e ferimentos em pelo menos 19 outras pessoas.

Ainda que Trump tenha se recusado, em suas declarações, a criticar diretamente o movimento da supremacia branca, muitos conservadores centristas ficaram horrorizados. O senador John McCain definiu os adeptos da supremacia branca como "traidores", no Twitter.

Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados, os chamou de "repugnantes".

O Departamento da Justiça anunciou na noite de sábado que iniciaria uma investigação de direitos civis. "A violência e as mortes em Charlottesville são um golpe contra o coração da lei e da justiça nos Estados Unidos", afirmou o secretário da Justiça Jeff Sessions em comunicado. "Quando ações como essas nascem da intolerância racial e do ódio, isso é uma traição de nossos valores essenciais e não pode ser tolerado".

Alguns dos organizadores esquerdistas de manifestações em Charlottesville, por exemplo Laura Goldblatt, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Virgínia, afirmaram que a expressão plena desse tipo de ideias resultaria, por fim, em que mais americanos as rejeitassem. "Creio que esse seja o começo do fim para a parte espetacular do movimento", disse Goldblatt.

Mas alguns líderes importantes da extrema direita dizem que o resultado foi exatamente o que eles esperavam.

"Atingimos todos os nossos objetivos", disse Matthew Heimbach, fundador da Frente Nacionalista, um grupo neonazista que se define como organização central do movimento nacionalista branco, em entrevista no domingo. "Demonstramos que o nosso movimento não existe apenas online, mas está crescendo fisicamente. Afirmamo-nos como a voz da América branca. Nenhum de nossos veículos foi danificado, todo o nosso pessoal está ileso, e movimentamos um número imenso de homens e materiais de e para a área. Creio que realizamos um trabalho incrivelmente impressionante".

Jason Kessler, um conservador de Charlottesville que foi o principal organizador do comício do sábado, vinha lutando há meses contra os planos do Legislativo municipal para retirar a estátua do general Robert Lee, comandante do exército confederado na guerra civil dos Estados Unidos, do Emancipation Park de Charlottesville, um parque que no passado portava o nome do general.

Ainda que tenha chegado recentemente ao movimento nacionalista branco, Kessler é bem conhecido em sua cidade. Ele atacou a postura do governo municipal de oferecer santuário a imigrantes e vem travando uma batalha pública contra Wes Bellamy, vice-prefeito e vereador de Charlottesville.

Há semanas, um panfleto sobre o comício Unite the Right vinha circulando pela Internet. A ilustração mostrava soldados em estilo Pepe the Frog carregando bandeiras confederadas, e prometia a presença de palestrantes como Spencer e Michael Hill, presidente da Liga do Sul, uma organização secessionista sulista.

George Hawley, professor de ciência política da Universidade do Alabama que pesquisa sobre o movimento da supremacia branca, disse que muitos dos membros da extrema direita que entrevistou não herdaram o racismo de seus pais, mas o desenvolveram online. Muitos deles, por exemplo, nunca haviam ouvido falar de David Duke, antigo político da Louisiana e antigo líder do Ku Klux Klan.

Mas esta semana, Duke foi a Charlottesville, em companhia de uma vasta gama de defensores da supremacia branca, da velha e da nova escola. Entre as organizações presentes estava a Vanguard America, cujo lema da era nazista, "sangue e terra", foi entoado pelos manifestantes na noite de sexta-feira, e o Rise Above Movement, uma confederação frouxa de neonazistas californianos antigamente conhecida como DIY Division, que treina para brigar em eventos políticos. Membros da Liga do Sul compareceram, e o mesmo vale para colegas mais recentemente radicalizados da organização Identity Evropa, um grupo separatista branco que endossa a segregação racial.

Entre os manifestantes contrários à direita, havia membros do clero de Charlottesville e figuras conhecidas nacionalmente como Cornel West, professor da Universidade Harvard. Quando o comício se tornou violento, na manhã de sábado, a Primeira Igreja Metodista, na rua East Jefferson, abriu as portas aos manifestantes, servindo-lhes água gelada e provendo assistência médica básica.

Hawley disse acreditar que os ativistas de extrema esquerda, conhecidos como "antifas" [contração de "antifascistas"], são bem vindos para os nacionalistas brancos, "Acredito que, em alguma medida, a direita alternativa adore os antifas, porque os vê como contraponto perfeito", ele afirmou.

Mas Goldblatt, embora não tenha se pronunciado sobre os esquerdistas que recorreram à violência, disse que alguma forma de resposta nas ruas era necessária. A história demonstrou, ela disse, que "ignorar o movimento pela supremacia branca, no sentido de trancar as portas e não sair à rua para enfrentá-lo, é uma estratégia realmente perigosa".

Às 13h42min, as cenas de violência já dominavam os noticiários dos canais noticiosos de TV a cabo quando um Dodge Challenger acelerou por uma rua estreita repleta de manifestantes antidireitistas. O motorista, identificado pela polícia como James Alex Fields Jr., havia sido visto nos protestos em companhia de um grupo direitista. Ele foi acusado de homicídio em segundo grau.

Os organizadores do evento se distanciaram do ataque e Kessler negou conhecer Fields. "Não conheço pessoa alguma que o conheça", disse Kessler. "Todos os meus contatos estavam se perguntando quem será esse sujeito".

Em meio a críticas generalizadas sobre as declarações de Trump, um porta-voz anônimo da Casa Branca afirmou domingo em um comunicado que o presidente "condena todas as formas de violência, intolerância e ódio. É claro que isso inclui os militantes da supremacia branca, o Ku Klux Klan, os neonazistas e grupos extremistas".

Preston Wiginton, militante nacionalista branco do Texas, anunciou no final de semana que ele realizaria um comício "Vidas Brancas Importam", na Universidade A&M, em seu Estado, no dia 11 de setembro, com Spencer entre os palestrantes. E o site neonazista Daily Stormer prometia que "haverá mais eventos. Logo. Vamos começar a realizá-los sem parar. Em todo o país".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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