Folha de S. Paulo


Facebook cria aplicativo que fura bloqueio da censura na China

Para tentar furar o bloqueio do Facebook e de vários de seus aplicativos na China, Mark Zuckerberg fez questão de se encontrar com líderes chineses, ler a indigesta propaganda do Partido Comunista, estudar mandarim e falar o idioma em público.

Agora, porém, a rede social tenta entrar na China por outro caminho: autorizou o lançamento no país de um novo aplicativo que não carrega o nome Facebook.

O Facebook aprovou em maio o lançamento do Colorful Balloons, usado para compartilhar fotografias, segundo uma pessoa informada dos planos que falou sob condição de anonimato.

18.mar.16/Facebook/Getty Images/AFP
Mark Zuckerberg (de cinza) corre na praça da Paz Celestial, em Pequim, em foto de junho de 2016
Mark Zuckerberg (de cinza) corre na praça da Paz Celestial, em Pequim, em foto de junho de 2016

O aplicativo, cuja existência não havia sido relatada, tem aparência e funcionalidade idênticos aos do Facebook Moments. Foi lançado por uma empresa chinesa independente, sem nenhuma indicação de sua afiliação à companhia americana.

O lançamento anônimo e sigiloso de um app na China por uma gigante estrangeira de tecnologia é inédito.

Demonstra o desespero e a frustração das empresas internacionais de tecnologia ao tentar ocupar espaço no maior mercado mundial de internet e indica até que ponto elas estão dispostas a ir —e a aceitar que os padrões para operar na China são diferentes de outros lugares.

A censura chinesa excluiu do boom da internet no país empresas como Facebook e Google. São mais de 700 milhões de internautas, que compram US$ 750 bilhões (R$ 2,3 trilhões) em produtos on-line por ano, mas são servidos por empresas locais que desenvolveram formas próprias de fazer negócios.

O Facebook espera aprender e assimilar essas formas de operar. Mas a rede social foi excluída do mercado chinês em 2009, e o Instagram, que ela controla, em 2014.

O WhatsApp foi parcialmente bloqueado em julho. E, embora o Facebook conte com mais de dois bilhões de usuários no planeta, Zuckerberg, seu fundador e presidente-executivo, muitas vezes indaga de onde virá o próximo bilhão de usuários.

BALÕES COLORIDOS

Agora, o Colorful Balloons dá à empresa americana um meio de ver como os chineses compartilham informações digitalmente e como interagem com suas plataformas favoritas de mídia social.

"Afirmamos há muito tempo o nosso interesse pela China, e estamos dedicando tempo a compreender e aprender mais sobre o país, de diversas maneiras", afirmou o Facebook em comunicado.

Não se sabe se as diversas agências que regulamentam a internet na China sabem da existência do aplicativo.

A abordagem adotada pelo Facebook pode lhe causar novas dificuldades com um regime que mantém controle rigoroso sobre as empresas estrangeiras de tecnologia.

"Não é só questão de negócios", disse Teng Bingsheng, professor de gestão estratégica na Escola de Negócios Cheung Kong. "É política".

Antes do Colorful Balloons, o Facebook havia adotado uma abordagem muito direta para cortejar a China.

Zuckerberg fez uma série de visitas ao país nos últimos anos e se tornou celebridade lá. Vídeos que o mostram falando mandarim viralizaram, assim como a foto em que ele é visto correndo na Praça Tiananmen, em Pequim.
O Colorful Balloons representa a abordagem oposta —máxima discrição.

O aplicativo foi lançado pela Youge Internet Technology. O endereço registrado da empresa fica na zona leste de Pequim, mas o número mencionado nos documentos de registro não foi encontrado.

Segundo os documentos, a diretora executiva da Youge é uma mulher chamada Zhang Jinmei.

Ela aparece em uma foto de uma reunião recente entre o Facebook e o governo de Xangai, sentada ao lado de Wang Li Moser, executivo do Facebook cujas responsabilidades incluem promover um relacionamento melhor entre a empresa e o governo chinês.

A presença de Zhang em uma reunião dessa importância indica que ela provavelmente é consultora ou funcionária do Facebook.

E se o Facebook pouco fez para promover o Colorful Balloons na China, ainda assim trabalhou para adaptar o aplicativo ao público local.

No resto do mundo, o Moments conecta usuários via Facebook. No caso do Colorful Balloons, a conexão acontece por meio da WeChat, maior rede social da China.

Projetado para recolher fotos dos álbuns de um smartphone e facilitar seu compartilhamento, na China o app usa um QR Code, uma espécie de código de barra amplamente utilizado no WeChat.

O risco que o Facebook corre é alto. A empresa parece ter entregado um produto funcional à Youge, e o fez em qualquer indicação pública de que ele esteja conectado ao Facebook.

Por ter acontecido pouco antes de um importante congresso do Partido Comunista, no fim deste ano, o lançamento secreto do Colorful Balloons pode solapar a confiança entre a empresa e o governo chinês.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: