Folha de S. Paulo


Tunísia assina nova lei para proteger mulheres contra violência

A Tunísia é vista há muito tempo como país pioneiro no mundo árabe na questão da defesa dos direitos das mulheres, mas o cotidiano de muitas tunisianas ainda é marcado pelo assédio e a violência. Assim, quando na semana passada o Parlamento aprovou uma medida que proíbe a violência contra as mulheres, algumas delas comemoraram o fato com ululações e distribuindo buquês de jasmim.

Com a nova lei torna-se mais fácil processar os responsáveis por violência doméstica, e a medida prevê penas para quem comete assédio sexual em locais públicos. A lei diz que os cidadãos têm o direito de avisar a polícia quando testemunham violência sendo cometida contra mulheres e determina que as escolas ensinem aos alunos sobre direitos humanos. Ela pede ainda que a polícia e os juízes recebam treinamento para prepará-los para lidar com a violência contra mulheres.

Zoubeir Souissi/Reuters
Mulher passa, em Túnis, na Tunísia, diante de faixa contrária à lei que protege acusados de corrupção
Mulher passa, em Túnis, na Tunísia, diante de faixa contrária à lei que protege acusados de corrupção

A Tunísia já se destacava entre os países islâmicos por seu arsenal de proteções legais para as mulheres. Seu código de status pessoal, adotado em 1956, permite o divórcio e proíbe a poligamia, por exemplo. Mas associações de defesa dos direitos das mulheres e organizações de defesa dos direitos humanos dizem que a nova lei representa um avanço importante, em parte porque é tão ampla, proibindo não apenas a violência física mas também os maus-tratos psicológicos e até a discriminação econômica.

"A nova lei é tão importante porque abrange também o lado da prevenção da violência em geral contra as mulheres, e não apenas a reforma do lado criminal", disse Monia Ben Jemia, presidente da Associação Tunisiana de Mulheres Democráticas, em entrevista.

Mesmo assim, as mudanças podem demorar a virar realidade em uma sociedade na qual muitas mulheres sofrem violência doméstica e pública diária. Em 2016, segundo informação do Ministério da Mulher, Família e Criança, 60% das mulheres tunisianas sofreram violência doméstica. E 50% das mulheres disseram ter sofrido agressão em um local público pelo menos uma vez na vida.

Outro estudo publicado no mesmo ano pelo Centro de Pesquisas, Estudos, Documentação e Informação sobre Mulheres, organização tunisiana que coopera com as Nações Unidas, constatou que entre 70% e 90% das tunisianas foram assediadas sexualmente entre 2011 e 2015, na maioria dos casos no transporte público.

Quando as mulheres denunciam a violência, muitas vezes isso não surte efeito.

"Ao longo dos anos recebemos inúmeras denúncias de vítimas de violência doméstica dizendo que, quando prestaram queixa, não foram levadas a sério pela polícia", disse Ben Jemia. Nos anos da ditadura no país, muitas mulheres que eram ativistas políticas ou simplesmente tinham vínculos com a oposição sofreram violência, inclusive de natureza sexual, por parte da própria polícia.

Os legisladores que redigiram as novas proteções também aderiram a um movimento presente em todo o Oriente Médio para combater as chamadas leis de "casamento com o estuprador", que permitem que estupradores que se casam com suas vítimas escapem de punição legal. Embora essa parte do código penal tunisiano tivesse em grande medida caído em desuso, no ano passado um juiz ordenou que uma menina de 13 anos que foi estuprada e engravidou do estupro se casasse com seu agressor. O caso provocou controvérsia nacional e levou a uma campanha para mudar a lei.

"Finalmente conseguimos emendar essa questão na versão final da lei. É uma vitória, porque, tirando um partido pequeno, havia consenso geral sobre a necessidade de efetuar essa mudança", disse a deputada Bochra Belhaj Hmida.

Belhaj Hmida se recordou dos anos seguintes à primavera árabe, quando o partido islâmico Ennahda estava em ascensão e as mulheres temiam que seus direitos fossem reduzidos. Quatro anos atrás o Ennahda sugeriu que as mulheres seriam "complementares" aos homens, sem direito à igualdade.

A discussão sobre a lei que o Parlamento acaba de aprovar mostra que houve avanços, disse a deputada. "Foi completamente diferente desta vez", ela comentou. "Senti que todas as mulheres estavam de acordo quanto à necessidade desta lei. A discussão entre homens e mulheres foi mais acalorada que o debate entre diferentes partidos ou ideologias políticas."

O Parlamento também determinou que a idade do consentimento sexual passará de 13 para 16 anos.

A nova legislação definiu multas e penas de prisão para pessoas que empregam menores de idade como empregadas domésticas. No ano passado a Tunísia ratificou uma lei contra o tráfico de pessoas. E hoje a discriminação no local de trabalho pode ser punida com multa de até US$800.

Para as associações de direitos das mulheres, porém, o trabalho está apenas começando. A Human Rights Watch elogiou a nova lei, mas pediu que as autoridades tunisianas aloquem recursos para sua implementação.

Tradução de Clara Allain


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