Folha de S. Paulo


Ex-diplomata dos EUA volta a ser condenada por estupro de doméstica

Uma antiga diplomata dos Estados Unidos foi condenada pela segunda vez por escravizar uma empregada doméstica e por tráfico sexual, quando servia na embaixada norte-americana no Iêmen.

Um júri em um tribunal federal em Alexandria, Virgínia, decidiu nesta segunda-feira (31) que a antiga diplomata, Linda Howard, e seu marido australiano, Russell Howard, forçaram uma empregada doméstica etíope a se tornar sua escrava sexual, em 2007, e a estupraram repetidamente.

Linda Howard foi condenada a pagar US$ 3 milhões em indenização à mulher de 30 anos, identificada apenas como Sarah Roe, que mora na Virgínia.

Cinco anos atrás, o casal havia sido condenado pelo mesmo tribunal por tráfico sexual envolvendo outra empregada doméstica etíope, em 2008. Eles foram condenados a indenizá-la em US$ 3,3 milhões.

Mas o casal já havia fugido de Arlington, Virgínia, para a Austrália, e recorreu da decisão lá. O processo terminou encerrado por acordo em 2015.

Linda Howard deixou o Departamento de Estado em 2013. Seu marido morreu em 2012. Ela negou as novas acusações e afirmou que Roe não tinha direito de processá-la em um tribunal civil sob uma lei de tráfico de pessoas que só foi aprovada em 2008.

De acordo com documentos judiciais, Roe começou a trabalhar para os Howard em Sanaa, Iêmen, em 2007, quando Howard era funcionária do Centro de Programas de Informação da embaixada dos Estados Unidos.

O casal prometeu a Roe um salário de US$ 150 ao mês e ajuda com seu visto de trabalho, além de plano de saúde, ajuda à filha da empregada, e a oportunidade de acompanhar a família ao posto diplomático seguinte de Howard, na Alemanha.

Ela disse ter sido instruída a se mudar para a casa da família, e a vender suas posses no Iêmen, e que deveria manter Russell Howard satisfeito enquanto a mulher dele estava no trabalho.

Roe diz ter sido instruída a usar um uniforme sumário, costurado por Linda Howard, mas que se recusou a fazê-lo. Russell Howard a levou a um shopping center e lhe comprou lingerie, uma tanga e duas minissaias, que ela diz que também se recusou a usar, quando percebeu que era essa a intenção dele.

Desde o começo, alegou Roe, o marido e a mulher a apalpavam e exigiam que fizesse sexo com eles. Não demorou para que Russell Howard passasse a estuprá-la duas vezes por dia, dizendo que o sexo era parte de seu trabalho.

Quando ela protestava, disse Roe, ele a espancava, jogava coisas nela e ameaçava colocá-la na cadeia. Linda Howard também participava, disse Roe. Ela diz ter sido levada à força por Russell Howard a um hospital para a colocação de um DIU.

O casal lhe mostrava fotos explícitas de antigas empregadas, ela afirma, gritando que "ela fazia o que mandamos, por que você não faz?"

Roe era estreitamente vigiada e raramente podia sair de casa sozinha. Também era forçada a trabalhar de 85 a 90 horas por semana, de acordo com sua queixa. Os Howard tomaram seu passaporte, ela disse, e não renovaram seu visto, ao contrário do que haviam prometido. De acordo com Roe, o casal colocou o marido de uma antiga empregada na cadeia.

"Eu chorava o tempo todo", afirmou Roe em depoimento.

Além da ameaça de represálias, Roe diz que temia as consequências sociais e legais de ter sido estuprada por uma mulher, se voltasse à Etiópia.

"É... vergonhoso e ilegal ter contato homossexual de qualquer espécie, em meu país", ela escreveu em seu depoimento. "Não importa que eu tenha sido vítima involuntária dos avanços sexuais de Linda Howard; eles seriam vistos de modo desfavorável por minha família, amigos e pelas autoridades".

Depois de cerca de sete meses, ela diz que Russell Howard se enraiveceu com sua resistência continuada aos ataques sexuais e a expulsou da casa. Roe diz ter encontrado um lugar para se hospedar por intermédio de um conhecido na embaixada.

Três ou quatro dias mais tarde, ela diz que Linda Howard a ajudou a encontrar emprego em um restaurante no complexo da embaixada. Roe acredita que a ex-empregadora tenha agido assim para evitar que ela denunciasse o casal.

As acusações de Roe são muito semelhantes às feitas por outra vítima, identificada como Jane Doe, que venceu um processo civil contra os Howard em 2012.

Doe acompanhou o casal do Iêmen ao novo posto de Howard em Tóquio. Ela também acusou Russell Howard de estuprá-la repetidamente, disse que Linda Howard havia ordenado que ela mantivesse seu marido feliz, e disse ter sido ameaçada e mantida em isolamento. Depois de fugir no meio da noite, Russell Howard a seguiu e fez com que acusações fossem apresentadas contra ela na Etiópia, disse Doe.

"O crime, envolvendo ataques sexuais, trabalho forçado e tráfico de pessoas, foi especialmente depravado", disse Liam O'Grady, o juiz de primeira instância que julgou o caso.

Os advogados de Howard e Roe não responderam imediatamente a pedidos de comentários.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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