Folha de S. Paulo


Análise

Ditadura mostra a cara com Maduro, mas há uma fresta

Dois fatos deste fim de semana mostraram a feia cara da ditadura em que se transformou a Venezuela de Nicolás Maduro.

Primeiro, uma brutal repressão contra os manifestantes que se opunham à eleição da Assembleia Constituinte, transformando a votação deste domingo (30) na mais sangrenta da história eleitoral venezuelana.

Segundo, o refúgio, na residência do embaixador chileno em Caracas, de Elenis del Valle Rodríguez, uma das juízas designadas pela Assembleia Nacional de maioria opositora para ocupar um lugar no Tribunal Supremo de Justiça –informação confirmada pelo chanceler chileno, Heraldo Muñoz.

Tiros, agressões e mortes de opositores, bem como o exílio, foram características marcantes das ditaduras que mancharam a história da América Latina nos anos 70 e 80 do século 20, mas que pareciam coisa do passado.

O problema, para as autoridades chavistas, é que os venezuelanos não aceitaram a carranca imposta pelo governo e, segundo a oposição, recusaram-se a votar.

A coalizão opositora MUD ( Mesa da Unidade Democrática) informou que apenas 12% do eleitorado venezuelano havia comparecido para votar (2,483 milhões).

O silêncio do governo durou até pouco depois da meia-noite local (1h de segunda no Brasil), quando foi divulgado que 8 milhões de eleitores haviam comparecido à votação.

Eventual guerra de números à parte, há pelo menos dois indícios de que talvez haja uma fresta capaz de permitir alguma negociação.

Primeiro indício: nas negociações entre governos do Mercosul para fixar posição conjunta sobre a votação, o governo uruguaio defendeu que se propusesse a Caracas não instalar imediatamente a Assembleia Constituinte, exatamente para dar tempo a uma negociação.

O chanceler Aloysio Nunes Ferreira aceitou a proposta, mas a Argentina se precipitou e emitiu nota isolada dizendo que não reconhece a Constituinte, caminho já antecipado também por Panamá, Peru, Colômbia, EUA, México, Costa Rica e Chile.

Segundo indício: em resposta à proposta do Mercosul, feita há dez dias, de uma reunião em Brasília para avaliar a situação, o governo venezuelano reagiu de maneira inusual.

Em vez das desqualificações habituais dirigidas aos governantes do Mercosul, louvou a proposta de "acompanhar o processo de diálogo entre venezuelanos" e sugeriu "construtivamente" uma reunião em Caracas na primeira semana de agosto.

É óbvio que os números da votação, quer o governo reconheça ou não o baixo comparecimento, condicionarão os próximos passos.


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