Folha de S. Paulo


Venezuela elege Constituinte, rejeitada pela maioria da população

Oscar Gonzalez Grande/Folhapress
Homem passa por local em Caracas onde foi montada barricada; protestos agora dão lugar a trincheiras
Homem passa por local em Caracas onde foi montada barricada; protestos agora dão lugar a trincheiras

Um homem de cabelos grisalhos segura um bastão de beisebol e, parado no meio da rua, grita aos que chegam de carro, de moto ou caminhando: "Por aqui, só passa morador."

Detrás dele, há uma barricada composta de sacos com pedras e destroços de concreto. Alguns garotos se perfilam perto dele, uns têm o rosto tapado, e vão fazendo a triagem dos que podem usar a via.

A reportagem da Folha flagrou cenas parecidas nos bairros de Las Mercedes, Chacao e Chuao. São os "trancones", nova modalidade de protesto popularizada em Caracas. Essas barricadas podem ser produzidas com cordas amarradas em postes, pedaços de concreto e até sacos de lixo cheios de algum material pesado.

Desde que a repressão contra manifestantes começou a ficar mais dura, deixando um saldo que já supera cem mortos, moradores dos bairros de classe média e alta de Caracas começaram a adotar essa nova forma de pressionar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

O objetivo é evitar a eleição da Assembleia Constituinte, que ocorre neste domingo (30), e levá-lo a renunciar.

Na prática, as barricadas inviabilizam o trânsito da cidade. Se até pouco tempo atrás o principal problema de Caracas era a mobilidade devido aos gigantescos engarrafamentos, hoje é difícil se locomover por causa dos "trancones", que encheram a cidade de moradores andando de moto ou a pé.

"Esta moto é do meu filho, eu nem sabia usar", conta o empresário José Valdivia, 52, que voltava do escritório com um colega na garupa.

Outros caminham longas distâncias, sozinhos ou em grupo, como num filme apocalíptico de ficção científica.

Devido a uma greve convocada nos últimos dias, pouquíssimos estabelecimentos comerciais permaneceram abertos nos dias pré-eleição.

Folhapress

RECHAÇO

Segundo Maduro, a Constituinte ampliará benefícios e protegerá o país do ataque à sua economia, supostamente orquestrado pelos EUA.

Seu principal desafio, porém, será entusiasmar as pessoas a votarem e superar a marca de 7,5 milhões de venezuelanos que, segundo a oposição, foram às urnas no dia 16 de julho para pedir em um plebiscito sem valor legal que esta eleição não ocorra.

Estimativa feita pelo instituto de pesquisa ORC colocou os votantes em ao menos 4 milhões dos 19 milhões de eleitores do país –um percentual alto considerando que a consulta era informal e não teve aval do órgão eleitoral, chavista.

Segundo o instituto Datanalisis, 72,7% dos venezuelanos se opõem à Constituinte.

Convocada por decreto, a votação terá um representante por cidade pequena e dois nas maiores –o que dá vantagem a Maduro, uma vez que o governo é mais popular no interior, e a oposição, mais forte em Caracas e nas grandes cidades.

Além desses 364 representantes, elaborarão a nova Carta 181 membros de organizações sociais e estudantis alinhados ao governo.

Vestindo uma camiseta da seleção venezuelana e um pano branco na cabeça, Eliecer Baptista, 21, diz que "desde que tenho consciência da minha cidadania o regime é este, e o país só piora. Isso precisa mudar."

Baptista faz parte do La Resistencia, grupo de jovens que têm se destacado nas manifestações, às vezes de forma violenta. "Não gosto de tapar a cara, quero que saibam que sou eu protestando, mas se depois vierem atrás de minha família, o que faço? Não tenho alternativa."

Folhapress

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