Folha de S. Paulo


Fora da Presidência, Correa mira ex-aliado que o sucedeu no Equador

Nem bem completou um mês no cargo, Lenín Moreno, o atual presidente do Equador, já se vê na posição de ter de se defender de um inusitado opositor: seu padrinho político, Rafael Correa.

Mesmo tendo viajado no começo desta semana para a Bélgica, onde anunciara que passaria um tempo com a família (a mulher de Correa é belga), o ex-presidente vem fazendo sua voz ser ouvida por meio de redes sociais e da coluna que mantém no jornal governista "El Telégrafo".

Santiago Armas -10.jul.2017/Xinhua
O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, cumprimenta aliados antes de viajar para a Bélgica
O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, cumprimenta aliados antes de viajar para a Bélgica

Correa começou em tom ameno logo após a posse, com advertências a Moreno sobre o excesso de atenção que estava dando a jornalistas e tentando desestimular que seu afilhado acelerasse as investigações de casos de corrupção revelados pelas delações da Operação Lava Jato.

Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, a construtora brasileira Odebrecht pagou no Equador US$ 33 milhões (R$ 105 milhões) em caixa dois e subornos para benefícios em licitações.

Porém, para Correa, a "verdadeira corrupção" é outra, "é a das forças que sempre repartiram o Estado equatoriano entre elas e contra as quais lutei nos últimos dez anos", como reafirmou num de seus recentes artigos.

Moreno, a princípio, disse que as observações do padrinho seriam sempre bem-vindas. "O diálogo continua. Seguimos empenhados em reconciliar o país. Para o ódio, não contem comigo", disse.

As coisas começaram a azedar nas últimas duas semanas, quando Correa acusou Moreno de estar "cometendo graves erros" e "cruzando uma linha vermelha", ao buscar diálogo com opositores. "Em sua tentativa de diferenciar-se de mim, está sendo não só desleal como também medíocre", afirmou.

Pontualmente, o que mais irritou Correa foi o fato de Moreno ter se reunido com Dalo Bucaram, filho do ex-presidente Abdalá Bucaram (1996-97), para criar uma comissão anticorrupção que incluiria diferentes forças políticas e teria apoio da ONU.

Correa lembrou a Moreno que tal comissão já existia, referindo-se a uma que ele criara com nomes de sua confiança, e que chamar agora "gente como os Bucaram e organismos internacionais seria um insulto à soberania" do país.

Moreno se animou com o projeto porque viu sua popularidade despontar em junho, superando 65%, após permitir que se revelassem alguns nomes da gestão anterior que estão sendo investigados pela Justiça como receptores de propinas da Odebrecht entre 2007 e 2016.

Até agora, está em prisão preventiva Alecksey Mosquera, ministro da Energia entre 2007 e 2009.

ENTREVISTAS

As críticas foram se acumulando, e o ex-presidente, que sempre havia proibido que seus ministros dessem entrevistas, alertou Moreno para o acesso que vinha dando a jornais antes considerados inimigos.

Correa também não gostou que o sucessor acabasse com as "sabatinas", programas de sábado em que o então presidente prestava contas à população, a seu modo, do que havia feito o governo.

"Um governante precisa prestar contas à cidadania, não aos meios privados. Na minha gestão corrigimos esse erro, que agora volta a ser cometido", disse Correa.

Moreno então perdeu a paciência e disse que seu padrinho político mostrava, por meio da "verborragia nas redes sociais", estar com "abstinência de poder". Correa tem 3 milhões de seguidores no Twitter, os quais chama de "guerreiros digitais".

Desde que deixou o cargo, o ex-presidente vem repetindo também que não é sua intenção concorrer em 2021, mas ressalva: se continuar assistindo à "destruição de meu legado, irei repensar".

No dia da partida de Correa para a Europa, Moreno enviou apenas uma mensagem ao antigo padrinho: "Rafael, faça uma boa viagem. Em nome dos equatorianos, agradeço tudo o que fez por nós, sobretudo pelos mais pobres e mais vulneráveis".

Na despedida no aeroporto, Correa foi saudado por milhares que repetiam "Rafael, sempre presidente".


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