Folha de S. Paulo


Violência policial na Venezuela virou arma para calar oposição, afirma ONG

O ilegítimo uso de força contra a população de forma recorrente, a criação de mecanismos de Estado dedicados à repressão e o repetido discurso de incitação à violência por parte do chavismo indicam uma política premeditada de silenciar qualquer dissidência política na Venezuela, afirma a ONG Anistia Internacional.

Em relatório publicado nesta segunda-feira (10), a entidade avalia ainda que a aproximação da eleição para a Assembleia Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro deve agravar a crise social que já deixou ao menos 91 mortos e 1.400 feridos nos mais de cem dias de protesto desde abril.

"Uma análise dos fatos indica que esses atos de repressão violenta não são apenas uma reação descontrolada de alguns agentes de segurança, mas sim fazem parte de uma prática premeditada de uso da violência para sufocar vozes críticas", afirma o relatório.

A ONG cita o uso de força não letal por parte da Polícia Nacional Bolivariana e da Guarda Nacional Bolivariana contra manifestantes da oposição, citando o caso de Juan Pablo Pernalete, 20, que morreu em abril após ser atingido no peito por uma bomba de gás lacrimogêneo.

Armas letais também foram usadas contra opositores de Maduro em atos antigoverno, relata a Anistia Internacional, como no caso de Fabián Urbina, assassinado a tiros em junho.

Para a diretora da Anistia Internacional das Américas, Erika Guevara-Rosas, "o que pareciam ser reações isoladas de autoridades venezuelanas em meio aos protestos indicam, de fato, uma estratégia planejada do governo do presidente Maduro do uso de violência e força ilegítima contra a população venezuelana para neutralizar qualquer criticismo".

O governo Maduro vem apelando à chamada união civil-militar estabelecida em 2014 para lidar com os protestos diários convocados pela oposição, a quem o presidente acusa de tentar promover um golpe de Estado.

Em abril, Maduro anunciou a ampliação em 500 mil homens da Milícia Nacional Bolivariana, força civil com treinamento militar. Cada um receberia um fuzil, disse o presidente.

Um mês depois, o governo criou um "comando especial de segurança antiterrorista" sob a chefia do general Gustavo González, diretor do Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional).

Ataques realizados pelas forças de segurança contra a população civil relatados em maio também são documentados no relatório da Anistia. Em um deles, no Estado de Carabobo (noroeste), bombas de gás foram lançadas aleatoriamente contra residências e tiros disparados contra pessoas na comunidade de La Isabelica.

Outros exemplos de ataques com esse tipo de uso da força policial foram registrados nos Estados de Lara, Barinas, Táchira, além da capital, Caracas, "indicando que essas práticas não estão limitadas a uma região do país, mas muito mais generalizadas".

Enquanto atos organizados por opositores de Maduro são alvo de repressão, manifestações convocadas por aliados do chavismo ocorrem sem incidentes e sob a proteção das forças de segurança, lembra a ONG.

MINISTÉRIO PÚBLICO

Relatório da Anistia apresentado em abril já condenava a violação das regras em prisões de opositores. Eram citados o descumprimento de ordens de soltura, as detenções por tempo indefinido e a falta de independência judicial.

Isso pode ser observado no cabo de guerra entre o governo e a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz. Ex-aliada do chavismo, ela acusa Maduro de tentar anular o Ministério Público.

O presidente ordenou na semana passada uma auditoria no órgão para "verificar a legalidade de a sinceridade de suas operações".

Ortega Díaz pode ser destituída nesta semana se o TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) considerar que a procuradora-geral incorreu em "falta grave" ao dizer que não aprovou a eleição de 33 magistrados feita em 2015 —quando o Parlamento era controlado pelo chavismo.

Caso ela seja destituída, assumiria em seu lugar a vice-procuradora Katherine Harrington, nome alinhado ao chavismo recentemente indicado pelo Tribunal Supremo.


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