Folha de S. Paulo


EUA questionam desenho de zonas eleitorais que beneficia partidos

Nas eleições de 2016, todas as atenções se voltaram para a divergência entre o resultado do Colégio Eleitoral, que garantiu a vitória de Donald Trump, e o do voto popular, vencido por Hillary Clinton por uma margem de quase 3 milhões.

Outra discordância, no entanto, passou praticamente despercebida. Devido à conformação dos 435 distritos eleitorais do país, os republicanos conquistaram cerca de 22 assentos a mais do que o que seria equivalente aos votos populares obtidos pelo partido. Eles receberam 49% dos votos (contra 48% dos democratas), mas as 241 cadeiras ganhas pela legenda representam 55% do total.

A recente decisão da Suprema Corte de apreciar o caso de disparidade semelhante em um Estado, contudo, pode ter impacto no desenho dos distritos eleitorais em todo o país antes das eleições parlamentares de 2018, abrindo espaço para a contestação de outros mapas que estejam favorecendo politicamente um partido.

Os nove magistrados vão definir se os parlamentares do Wisconsin, ao redesenhar os oito distritos eleitorais do Estado em 2011, feriram a Constituição em benefício do Partido Republicano no pleito estadual, numa manipulação conhecida por "gerrymandering", nome criado em referência ao ex-governador de Massachusetts Elbridge Gerry, que, em 1812, redesenhou distritos para beneficiar seu partido.

A Constituição prevê que os Estados, a cada dez anos, façam uma revisão da distribuição dos distritos eleitorais com base no censo mais atual.

Cada Estado define o responsável pelo redesenho, que, em 28 dos 50, é o legislativo estadual —o que permite que o partido que possui a maioria trace as linhas de forma a conseguir mais assentos na assembleia local e na Câmara, em Washington.

Alguns distritos ficam com formatos tão absurdos que ganham apelidos como "Pateta chutando o Pato Donald" ou "louva-Deus".

No Brasil, a possibilidade de estabelecer o voto por distrito sempre aparece nas discussões sobre reforma política, mas uma das razões para que essa opção não avance é justamente a dificuldade que seria determinar os limites dos 513 distritos eleitorais.

O argumento dos democratas que moveram a ação no Wisconsin é que os parlamentares, no redesenho, violaram a liberdade de expressão dos seus eleitores no Estado, já que, apesar de o partido ter tido a maioria dos votos populares (51,4%) para o legislativo estadual em 2012, ele ficou apenas com 40% dos assentos.

"Essa pode ser uma das decisões de maior impacto eleitoral na última década. Se a Suprema Corte estabelecer que eles violaram a Constituição, poderá abrir espaço para processos em outros Estados, como a Carolina do Norte", disse Alex Keena, coautor do livro "Gerrymandering in America", à Folha.

"Se a Suprema Corte decidir que não houve violação, os distritos seguirão os mesmos e os republicanos devem manter a maioria na Câmara pelo menos pelas próximas duas eleições", aposta.

Para o professor da Universidade da Califórnia Charles Anthony Smith, que é coautor do livro com Keena, a Suprema Corte deveria determinar que o caso do Wisconsin desrespeitou a Constituição.

"Ao permitir que os políticos escolham seus eleitores ao invés de os eleitores escolherem seus deputados, as legislaturas estaduais que desenharam esses distritos superpartidários prejudicaram a premissa da lei de igual proteção", diz Smith.

Um levantamento da Associated Press sobre os resultados das eleições distritais de 2016 para os 435 assentos da Câmara dos Representantes e para as cerca de 4.700 cadeiras nos legislativos estaduais mostrou que os republicanos se beneficiaram do "gerrymandering" em quatro vezes mais Estados que os democratas.

É preciso destacar, porém, que os democratas já são prejudicados pela própria característica de seus eleitores, que se concentram nas grandes cidades. Isso faz com que eles sejam menos numerosos nos demais distritos dos Estados.

Apesar de aceitar o caso agora, a Suprema Corte só deve ouvir as partes envolvidas a partir de novembro. O argumento da defesa, que representa os membros da Comissão Eleitoral do Wisconsin, é que o eventual favorecimento dos republicanos na redistribuição não foi intencional.

Para Keena, provar a "intenção" pode ser um obstáculo, mas há outras formas de mostrar um benefício deliberado. "Usando modelos estatísticos é possível descobrir um 'gerrymandering' partidário. Há índices tão baixos que só podem vir de um redesenho com intenções políticas."

Editoria de Arte/Folhapress

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