Folha de S. Paulo


Análise

Ligação de Trump com líder republicano no Senado é testada

O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, do Kentucky, comentou algumas vezes sua relação incomum com o presidente Donald Trump: ao contrário da maioria dos líderes no Congresso, ele conseguiu escapar à ira de Trump.

"Até onde eu sei, ele nunca se irritou comigo –pelo menos na minha presença", disse McConnell no mês passado.

Essa paz frágil entre um veterano taciturno na política e um novato ousado ajudou os dois a seguirem as prioridades republicanas, mas enfrenta um futuro incerto nesta semana enquanto a grande reforma das leis de saúde pública do país vacila no Senado. McConnell e Trump estão famintos por uma vitória. Seu entendimento, construído para marcar triunfos legislativos, não adianta a nenhum deles se as vitórias continuarem fora de alcance.

McConnell assumiu amplamente a responsabilidade de conduzir a abrangente reforma da Lei de Acesso à Saúde no Senado. Se a legislação emperrar nesta semana –pelo menos meia dúzia de senadores republicanos continuam desconfiados da lei–, o custo poderá ser não somente a fúria da base conservadora do partido, mas perguntas mais profundas sobre a durabilidade da aliança McConnell-Trump.

Mark Wilson - 12.dez.2016/Getty Images/AFP
WASHINGTON, DC - DECEMBER 12: Senate Majority Leader Mitch McConnell speaks to reporters during a news conference at the Capitol, December 12, 2016 in Washington, DC. McConnell spoke about the GOP agenda, and president-elect Donald Trump and his cabinet picks. Mark Wilson/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, durante entrevista

Membros dos dois partidos observam atentamente a dinâmica entre McConnell e Trump em busca de um sinal do que está por vir.

"Trump pode ser impaciente", disse o ex-presidente da Câmara Newt Gingrich em uma entrevista. "Ele pode querer aumentar a pressão sobre a instituição do Senado se a lei não for aprovada até sábado à noite."

Mas, acrescentou Gingrich, "do modo como nossa Constituição foi escrita, ele e Mitch vão precisar um do outro no final".

O Congresso republicano enfrenta um conjunto desafiador de ambições e desafios neste verão, que exigirá um relacionamento forte entre os dois: reformar o código fiscal, confrontar o teto da dívida e aprovar o orçamento federal. A pressão cada vez mais estressante nos últimos dias para aprovar a lei de saúde veio com esses diversos desafios no horizonte, segundo vários republicanos que estão a par das discussões.

Na superfície, a iniciativa de saúde significa cumprir uma promessa do Partido Republicano. Mas os republicanos disseram que também é um teste sobre se McConnell e Trump podem costurar coalizões vitoriosas sobre qualquer assunto importante neste ano –e tranquilizar os líderes empresariais e ativistas ávidos por ação.

O que perturba os republicanos em meio às negociações é a impopularidade de sua missão. O Obamacare viu seu apoio aumentar nas pesquisas neste ano, enquanto a lei dos republicanos se mostrou solidamente impopular. Vários membros do Partido Republicano disseram em particular que o fracasso não seria um desastre total para o partido, já que ninguém gosta da lei, e os moderados poderiam evitar ser sobrecarregados por ela.

Mas Trump e McConnell avançaram, afirmando aos membros que a revogação é uma promessa central do partido e a base para uma série de reformas que os republicanos querem aprovar ainda neste ano.

Eles o fizeram em pistas paralelas, porém, sem muitas aparições conjuntas ou sinais de uma relação pessoal. A antipatia pelos democratas e a fome de vitória, mais que a ideologia ou uma conexão pessoal, são o que os liga, segundo os mais próximos.

O teor da união de Trump com McConnell contrasta com o relacionamento do presidente com o presidente da Câmara, o deputado republicano Paul Ryan, de Wisconsin, segundo duas autoridades da Casa Branca que falaram sob a condição do anonimato. Enquanto Trump e Ryan se chocaram no passado, mas também deram demonstrações de amizade, McConnell, 75, e Trump, 71, são companheiros de transações.

"Trump realmente acredita que pode fazer os relacionamentos inclinarem as pessoas na sua direção. Mas ele descobriu que não é assim que McConnell funciona, por isso não conversam muito", disse o veterano estrategista republicano Vin Weber. "É uma situação realista. Trump não vai bater papo, e McConnell não vai enganar. Isso levou a uma relação que inclui respeito, embora não seja calorosa."

Trump e McConnell são dois consumidores vorazes de notícias e informação, especialmente das agências. Mas seus hábitos divergem. Trump recebe as suas impressas em papel, enquanto McConnell costuma ler as notícias em seu iPad. Trump é um espectador atento de noticiários na TV a cabo de manhã e no horário nobre, enquanto McConnell monta sua agenda noturna ao redor do discreto noticiário de Bret Baier na Fox News.

Nos últimos dias, o papel de Trump foi encorajar em telefonemas e como torcedor-chefe no Twitter, estimular os republicanos e espetar os democratas, enquanto McConnell trabalha seus membros e pensa em emendas.

Os dois tiveram contato regular enquanto McConnell lutava para obter apoio à primeira votação da lei, em uma moção processual. Ele se apoiou em Trump para usar sua influência sobre a direita. Vários republicanos disseram que, por exemplo, o senador Ted Cruz, do Texas, é visto como alguém que Trump poderá desviar. Cruz quer se reeleger no próximo ano em um Estado conservador, onde renegar o presidente pode ser um problema.

"Ele está dando telefonemas para pessoas, mas nada muito específico neste momento", disse o senador John Cornyn, do Texas.

Kevin Lamarque - 23.mar.2017/Reuters
FILE PHOTO: Protesters demonstrate against U.S. President Donald Trump and his plans to end Obamacare outside the White House in Washington, U.S., March 23, 2017. REUTERS/Kevin Lamarque/File Photo ORG XMIT: TOR245
Manifestantes em frente à Casa Branca exigem manutenção do Obamacare

Trump também ligou para o senador Rand Paul, do Kentucky, na segunda-feira (26), segundo o porta-voz de Paul, Sergio Gor. O presidente telefonou para Cruz na semana passada. Nenhum dos senadores apoia o rascunho que McConnell divulgou; nem o senador conservador Mike Lee, de Utah.

"Eles querem ter um papel construtivo, e acho que estão como que esperando que nós digamos qual é", disse sobre Trump e a Casa Branca o senador John Thune, da Dakota do Sul, membro da liderança republicana no Senado. "A bola está no campo do Senado."

Os aliados de Trump continuam confiantes em que McConnell conseguirá os votos necessários. Ele foi vital para arrebanhar a mais notável vitória de Trump –a confirmação do juiz da Suprema Corte Neil Gorsuch–, e essa experiência em particular, segundo eles, forjou sua amizade.

"Mitch entende o Congresso muito melhor que Trump", disse Barry Bennett, um ex-assessor de campanha de Trump. "Ele é profissional. É bom que McConnell nunca tenha dito nada de ruim sobre Trump em público."

Mandel Ngan/AFP
O indicado de Trump à Suprema Corte, Neil Gorsuch, responde a perguntas no sabatina no Senado
O indicado de Trump à Suprema Corte, Neil Gorsuch, responde a perguntas no sabatina no Senado

As esperanças republicanas, porém, foram abaladas mais uma vez na segunda-feira, quando o Escritório de Orçamento do Congresso concluiu que a lei do Senado deixaria mais 22 milhões de americanos, aproximadamente, sem seguro-saúde na próxima década –cerca de 1 milhão a menos que a legislação semelhante aprovada pela Câmara.

Os fatos se desenrolam na esteira de uma medida na semana passada que pegou de surpresa a órbita de McConnell –e levantou o espectro de uma luta intrapartidária entre aliados da Casa Branca e McConnell. Um supercomitê de ação política republicano aliado de Trump anunciou planos de uma campanha publicitária de sete dígitos em Nevada para pressionar o senador Dean Heller, um republicano moderado, a votar a favor da lei.

Mas a equipe de McConnell construiu uma relação constante com a equipe legislativa de Trump, e a Casa Branca resistiu a adotar uma abordagem autoritária sobre a saúde pública. Em vez disso, Trump e seus assessores principalmente encorajaram McConnell a assumir a liderança no esboço da lei –ela foi redigida quase em segredo– e em imaginar como influenciar os senadores que estão em cima do muro.

McConnell não evitou pronunciamentos sinceros sobre o presidente. Desde a posse de Trump, o senador lhe pediu que concentrasse a atenção na agenda usada pelos republicanos na campanha em 2016. Ele disse repetidamente que não gosta dos tuítes que Trump usa para fazer ataques pessoais.

Mas McConnell concluiu desde o início que não mudaria os modos combativos de Trump e teria de contorná-los. Ele disse ao jornal "The Washington Post" em uma entrevista em fevereiro que teve "conversas francas" com Trump sobre seus tuítes, mas que elas não fizeram "a menor diferença".

Gingrich disse que a "equanimidade" de McConnell acabaria sendo uma constante, mesmo que esta versão da lei de saúde desmorone.

"McConnell é decisivo e discreto. Quer seja antes de 4 de julho, ou antes do recesso em agosto, ele conseguirá os votos. Eles precisam fazer a reforma fiscal, e isto faz parte daquilo", disse Gingrich. "Trump aprenderá que independentemente de frustrações ele terá de confiar em McConnell para muitas, muitas coisas."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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