Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Vácuo do Estado Islâmico motiva pressão americana contra Assad

Há três maneiras de ler a ameaça americana ao regime de Bashar al-Assad.

1 - O ditador sírio é burro ou louco o suficiente para preparar um ataque químico exatamente da mesma base que foi atacada por uma saraivada de mísseis de cruzeiro há pouco mais de dois meses, com toda a parafernália de observação remota americana de olho no lugar.

2 - Assad tem extrema confiança de que o Ocidente não iria mexer com ele após os russos presentes na Síria terem, teoricamente, aumentado o grau de suas defesas aéreas após o ataque de abril. E declarado uma virtual zona de exclusão aérea a oeste do rio Eufrates –onde a base em questão está.

3 - A Casa Branca está blefando com uma, digamos, pós-verdade. Neste caso, a mentira serve ou para justificar um novo ataque contra Assad ou para colocar pressão diplomática sobre Damasco no momento em que o chão se estreita sob os pés do Estado Islâmico na Síria.

Nenhuma das opções é animadora, por envolver a chance de um esbarrão entre as forças estrangeiras operando na Síria.

Tudo isso tem a ver com o enfraquecimento do EI. O grupo é a desculpa que levou o Ocidente até a Síria, e está perdendo progressivamente seu território. O que acontece se for anulado?

Desde a demonstração de poder presidencial de abril, Donald Trump tem sido observado com mais cautela pelos atores em solo.

O principal, claro, é a Rússia, que está fisicamente instalada no oeste sírio desde 2015 para apoiar Assad, mas principalmente para ganhar cacife externo na negociação da questão ucraniana e interno para manter a popularidade do presidente Vladimir Putin em alta.

Na semana passada, o Kremlin ameaçou abater aviões americanos, ocidentais ou da coalizão árabe que apoiam diversos grupos que são contrários ao EI, mas também a Assad.

Essa linha estabelecida ainda não foi cruzada.

Forças de todos os lados têm fechado o cerco a Raqqa, capital síria do EI. Os relatos disponíveis mostram que o Exército sírio, com apoio aéreo russo, está em melhor posição do que os curdos equipados por Washington.

Em um primeiro momento, houve especulação de que todos poderiam cooperar para liquidar a fatura territorial com o EI. Agora tudo parece indicar uma disputa pelo vácuo à frente.

É uma confusão dos diabos. Ainda há o Irã, que tem tropas no país árabe para apoiar Assad e os russos, e mesmo Israel vem aumentando a animosidade de fronteira com a Síria.

Se os EUA buscarem pressionar mais Assad, com bombas ou palavras, terão de enfrentar uma situação complexa e com perigos ainda maiores do que aqueles de 2003 no Iraque –quando o governo de George W. Bush usou a carta das supostas armas de destruição de massa, e deu no que deu.


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