Folha de S. Paulo


Mesmo derrotado na eleição britânica, Jeremy Corbyn vira ídolo da juventude

No último sábado (24), dezenas de milhares de jovens ocupavam a platéia em frente ao palco principal do Festival de Glastonbury. Em meio aos concertos de Katy Perry, Radiohead e Ed Sheeran foi anunciada uma nova atração. Não se tratava de nenhum pop star, mas ao ouvir seu nome o público entrou êxtase e aplaudiu com enorme entusiasmo. A "celebridade" era a figura anacrônica de um senhor de 68 anos, grisalho e meio desajeitado, um velho político de esquerda –era o líder trabalhista Jeremy Corbyn.

Até menos de um mês atrás, Corbyn era considerado inelegível. Um tiozão excêntrico e sonhador, um idealista cego e retrógrado, desacreditado pela história e pela maioria dos parlamentares de seu próprio partido.

Oli Scarff/AFP
 Music fans listen as Jeremy Corbyn, Leader of the Labour Party, addresses the crowd from the Pyramid Stage during the Glastonbury Festival of Music and Performing Arts on Worthy Farm near the village of Pilton in Somerset, southwest England, on June 24, 2017. / AFP PHOTO / OLI SCARFF ORG XMIT: 2265
Público do festival Glastonbury ergue bandeira com o rosto do líder trabalhista Jeremy Corbyn

Seu programa de governo incluía propostas que, por décadas de neoliberalismo, eram consideradas absurdas, como a estatização das ferrovias e dos correios.

Mas um resultado surpreendente das recentes eleições, ditado principalmente pelo voto de milhões de jovens, catapultou o velho Corbyn cansado de guerra a uma inesperada popularidade.

Sua ascensão se deu pelas mãos desta mesma rapeize de Glastonbury, que tradicionalmente não votava, mas, depois de ter-se sentido traída pelo plebiscito do 'brexit', decidiu em massa participar do debate político. Ele, de repente, começou a fazer muito sentido.

Com ar de "prime minister in wating" [aguardando para se tornar premiê], Corbyn pegou o microfone e o público silenciou.

É surpreendente como sua retórica, que evoca a mais surrada ortodoxia de esquerda nos tempos da Guerra Fria, toca fundo coração jovens. Parte deste público também é formada por idealistas cansados do topete e do cinismo de Donald Trump e das meias verdades dos tailleurs oportunistas de Theresa May.

De forma simples e muito direta, Corbyn atacou o neoliberalismo selvagem, o militarismo e a xenofobia. Defendeu a saúde pública e a educação gratuita, o ambientalismo e os direitos de imigrantes e das mulheres.

Dylan Martinez/Reuters
 Britain's opposition Labour Party leader Jeremy Corbyn addresses revellers from the Pyramid Stage at Worthy Farm in Somerset during the Glastonbury Festival in Britain, June 24, 2017. REUTERS/Dylan Martinez ORG XMIT: DJM134
Líder trabalhista Jeremy Corbyn discursa no palco do festival Glastonbury

Com este conúbio da esquerda histórica e da juventude decidida a encontrar uma saída diferente para os problemas do mundo, podemos estar vendo o começo do fim da era neoliberal iniciada por Margareth Thatcher nos anos 1980 e perpetuada por Tony Blair e os almofadinhas do New Labour.

Entramos num território inexplorado, mas parece que estamos assistindo a uma revolução. Esta possível insurreição ainda não foi batizada e está apenas vivendo seus motes iniciais.

Seus objetivos e consequências ainda não são totalmente claros, os campos de batalha ainda não foram definidos e muitos dos protagonistas ainda não se revelaram como tais. Mas, como uma grande e incessante onda que se forma em mar bravo, ela é irreversível e promete alastrar-se para muito além das fronteiras do Reino Unido.

Com a presença de Jeremy Corbyn, de repente Glastonbury em 2017 ficou com muita cara de Woodstock em 1969. Contracultura, pacifismo e resistência anticonsumista agora pairam no ar do tórrido verão londrino.

O sonho, que segundo John Lennon teria acabado há quase meio século, parece de repente ter voltado do oblívio para ser sonhado mais uma vez.

HENRIQUE GOLDMAN é cineasta. Dirigiu, entre outros, o longa "Jean Charles" (2009)


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