Folha de S. Paulo


Emmanuel Macron e Theresa May vivem realidades políticas opostas

Philippe Wojazer/Reuters
A primeira-minista Theresa May durante encontro com Emmanuel Macron, presidente da França
A primeira-minista Theresa May durante encontro com Emmanuel Macron, presidente da França

Um governo paralisado por uma eleição mal conduzida; uma economia trôpega; uma série de ataques terroristas brutais; um alto edifício residencial em Londres consumido por um incêndio medonho. Não há ligações visíveis aqui. Mas o impacto é cumulativo.

Um ano atrás o Reino Unido votou por sair da União Europeia. Os partidários do "brexit" prometeram que a nação vibrante se soltaria das amarras que a prendiam a um continente que afundava. Mas as coisas podem mudar muito rapidamente. A aventura prometida –"um Reino Unido global", como diz Theresa May, a primeira-ministra agora enfraquecida– de repente está arcando sob o peso do risco. A política ainda pode impossibilitar o "brexit".

Do outro lado do Canal da Mancha, os ventos sopram em direção contrária. O otimismo agora deitou raízes nas capitais europeias. O crescimento econômico está sendo retomado, enquanto os populistas batem em retirada. Em Paris, esta semana, o novo presidente francês, Emmanuel Macron, deu os retoques finais à sua administração. Seu partido político, o República em Marcha, não existia dois anos atrás. Hoje, possui o mandato "forte e estável" negado ao Partido Conservador de Theresa May.

A hostilidade à Europa esteve na base da campanha eleitoral de May, destituída de qualquer alegria. Já Macron declara que mais Europa significa mais França. No verão passado, a França estava afundada em seu clima sorumbático habitual. Hoje o clima em Paris está como era o de Londres. O estado de ânimo nacional tem importância. É possível encontrar muitos na França, tanto da esquerda quanto da direita, que contestam o autodenominado centrismo radical do presidente. Mesmo assim, a sensação que se tem é que o povo francês quer que Macron seja bem-sucedido.

"Vamos retomar o controle" foi o que os defensores do "brexit" disseram aos eleitores britânicos um ano atrás. Agora eles se veem diante da ironia suprema. Após uma década ou mais de deriva perigosa, a França parece ter tomado as rédeas de seu destino. É o Reino Unido quem perdeu seu norte. Theresa May prometeu um "brexit duro", erguendo barricadas contra trabalhadores vindos da UE e acabando com qualquer traço da Corte Europeia de Justiça. Inseguros quanto ao significado da decisão de sair da UE tomada no ano passado, os eleitores, na eleição geral, lhe negaram a autoridade para negociar uma ruptura tão brutal.

Por mais que seja jovem e inexperiente, Macron se comporta como presidente. Não é de hoje que a França é uma monarquia que se faz passar por república. Os últimos dois ocupantes do Palácio do Eliseu decepcionaram. Um amigo parisiense me disse certa vez que François Hollande nunca superou realmente o constrangimento de ter sido fotografado na garupa de uma lambreta, indo ao encontro de sua amante. As coisas poderiam ter sido diferentes se ele tivesse as rédeas nas mãos. Já o efervescente Nicolas Sarkozy confundiu brilho superficial com grandeza monárquica. Macron se propôs a restaurar a dignidade da Presidência.

Os cínicos nos dizem que a bolha ainda vai estourar. Quem se recorda de Barack Obama e todo aquele discurso sobre esperança e transformação? E é verdade que as expectativas do presidente francês, de apenas 39 anos, são tão extravagantes que é inevitável que ele decepcione. Mas, segundo as pessoas que o conhecem bem, Emmanuel Macron não deve ser subestimado. É claro que ele contou com uma boa dose de sorte, mas o importante é que ele nunca hesitou em aproveitar as oportunidades quando elas aparecem.

Os três anos que Macron passou trabalhando para Hollande no Eliseu compensam por sua falta de experiência política. O novo presidente aprendeu como se utiliza o poder e, o que é mais importante, viu como é fácil esse poder ser desperdiçado por quem contemporiza. O cronograma acelerado da primeira leva de suas reformas econômicas propostas -ele quer aprovar a liberalização da legislação trabalhista até o final de setembro –reflete sua determinação de conservar a iniciativa.

O que conta para o futuro da UE é que a alemã Angela Merkel sente confiança no novo presidente. Berlim vai acompanhar de perto o avanço das reformas, e os economistas que assessoram a chanceler sem dúvida vão também querer ver cortes no deficit orçamentário previsto para 2018. Se isso não acontecer, a França pode acabar sendo o único país da UE que ainda estará infringindo a norma da zona do euro que proíbe deficits excessivos. Deixando tais cautelas de lado, a premissa dominante em Berlim é que Merkel finalmente tem um parceiro francês com quem poderá fazer negócios.

O discurso sobre grandes e novas estruturas de governança econômica para blindar a união monetária da zona do euro exagera a disposição da França e outros de abrir mão do controle nacional sobre as decisões relativas a gastos públicos e impostos. Mas se, na eleição de setembro, os eleitores alemães derem a Merkel um quarto (e provavelmente último) mandato, a chanceler alemã vai querer criar a arquitetura de uma integração europeia mais profunda, desejo compartilhado por Macron. E, por mais que protestem contra isso, os alemães sabem que terão que pagar por isso.

O Reino Unido prevê estar observando esse processo desde o lado de fora. Mas ninguém em Londres sabe muito bem como dar início à saída da União Europeia. O plano "A" de Theresa May priorizava o fechamento da porta a migrantes vindos da Europa oriental e central. Agora seu ministro das Finanças diz que a prioridade precisa ser proteger a economia nacional. Outros membros do gabinete parecem pensar que reduzir o fluxo de mercadorias e pessoas entre o Reino Unido e seus vizinhos poderá, não se sabe bem como, ser descrito como um esforço de abertura.

De uma forma ou outra, no pé em que as coisas estão hoje não parece haver uma maioria no Parlamento para aprovar qualquer uma das muitas versões de "brexit". Talvez o Reino Unido simplesmente caia fora da UE; talvez retire seu pedido de saída.

Eu imaginava que os franceses estariam se deleitando ao ver o que acontece no Reino Unido. Quantas vezes nos últimos anos eles não foram alvos de sermões dos anglo-saxões? Mas os compatriotas de Macron parecem estar mais interessados em redesenhar seu próprio futuro.

Tradução de Clara Allain


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