Folha de S. Paulo


EUA podem limitar turismo na Coreia do Norte após morte de estudante

Para alguns viajantes intrépidos, a Coreia do Norte é o destino mais procurado. Dificilmente pode haver um lugar mais distante das rotas comuns, ou uma história de viagem mais exótica do que uma que comece por "quando eu estava em Pyongyang"...

Cerca de mil turistas norte-americanos visitam a Coreia do Norte a cada ano, em busca de aventura e de um vislumbre do "Reino Eremita". Mas a morte de Otto Warmbier, estudante norte-americano que passou 17 meses preso no país, gerou atenção nova ao turismo na Coreia do Norte, que o regime do país vem tentando promover.

O pai de Warmbier, Fred, disse, depois que seu filho foi enviado para casa em coma na semana passada, que as empresas que promovem o turismo na Coreia do Norte estão "alimentando" o regime. O deputado federal norte-americano Edward Royce, republicano da Califórnia e presidente do Comitê de Relações Internacionais da Câmara, concorda. "O pai de Otto está certo: a propaganda de viagem atrai pessoas demais à Coreia do Norte".

Kyodo - 16.mar.2016/Reuters
O estudante americano Otto Warmbier é levado à Suprema Corte da Coreia do Norte, em Pyongyang, em março de 2016
O estudante americano Otto Warmbier é levado à Suprema Corte da Coreia do Norte, em Pyongyang, em março de 2016

Os Estados Unidos deveriam proibir as viagens de turistas à Coreia do Norte, disse Royce, depois que os pais de Warmbier anunciaram a morte de seu filho, que tinha 22 anos, na segunda-feira.

Warmbier, aluno da Universidade da Virgínia, era curioso sobre o mundo e queria conhecê-lo todo, disse seu pai em uma entrevista em abril. Por isso, no final de 2015, o jovem se tornou membro da "New Year's Party Tour", da Young Pioneer Tours, uma agência de viagens que se vangloria de "excursões baratas para lugares que sua mãe não gostaria que você visitasse".

O líder norte-coreano Kim Jong Un estipulou a meta de atrair um milhão de turistas ao ano ao seu país de regime comunista. Os críticos dizem que o turismo é uma fonte significativa de moeda estrangeira para o regime. O Departamento de Estado norte-americano vem reforçando constantemente seus alertas contra viagens ao país, devido ao risco de detenção arbitrária. Warmbier foi sentenciado a 15 anos de prisão por supostamente ter roubado uma placa de propaganda.

Os esforços para restringir viagens de cidadãos norte-americanos à Coreia do Norte devem ganhar novo ímpeto agora, com legisladores dos dois partidos chamando o regime norte-coreano de "homicida" e "selvagem".

Um projeto de lei já está em debate na Câmara de Deputados dos Estados Unidos para limitar as viagens de cidadãos do país à Coreia do Norte, e a morte de Warmbier pode levar o Senado a fazer o mesmo. O governo Trump também está considerando impedir que os norte-americanos visitem a Coreia do Norte como turistas.

Três outros norte-americanos continuam presos na Coreia do Norte, mas todos trabalhavam lá - dois em uma universidade privada coreano-americana e um em um hotel localizado em uma zona econômica especial no norte do país.

A Young Pioneer Tours, agência de viagem cujo nome foi inspirado pelas ligas de jovens em países comunistas, está atraindo atenção especial.

"A perda devastadora da vida de Otto Warmbier nos levou a reconsiderar nossa posição quanto a aceitar turistas norte-americanos", a empresa afirmou em comunicado na terça-feira, classificando a detenção dele como "deplorável" e afirmando que "uma tragédia como essa jamais deve se repetir".

A Young Pioneer Tours não levará mais cidadãos norte-americanos à Coreia do Norte, de acordo com o comunicado. "Agora consideramos os riscos de visita à Coreia do Norte por norte-americanos como altos demais, e portanto não poderemos mais aceitar reservas de norte-americanos para excursões à Coreia do Norte, se eles viajarem com passaportes dos Estados Unidos".

As duas outras principais agências de viagens que organizam esse tipo de excursões, a Koryo Tours, no Reino Unido, e a Uri Tours, sediada em Nova Jersey, disseram que estavam "revisando" a venda de pacotes de viagens à Coreia do Norte para clientes norte-americanos. Todas as empresas tiveram turistas detidos na Coreia do Norte, mas em nenhum caso com consequências tão graves quanto as enfrentadas por Warmbier.
A Young Pioneer Tours vinha lançando alertas já há algum tempo, para o pequeno grupo de pessoas que visitam a Coreia do Norte regularmente.

Cinco pessoas que presenciaram excursões da Young Pioneer Tours na Coreia do Norte disseram ter visto comportamento irresponsável da parte dos turistas, com casos de embriaguez, desrespeito e ofensas aos guias locais pelos turistas. Três das cinco pessoas entrevistadas trabalham na Coreia do Norte e as duas outras eram participantes das excursões.

"A empresa francamente é dirigida por uns caras beberrões, e a cultura das suas excursões revela o fato", disse uma das pessoas, que pediu que seu nome não fosse mencionado porque ainda trabalha na Coreia do Norte. Ele recorda de ver turistas saindo do bar de um hotel às 7h30min da manhã.

Uma pessoa que participou de uma excursão da Young Pioneer Tours disse que a promoção da empresa sobre suas viagens não serem experiências típicas responde por boa parte de seus atrativos, e que as bebedeiras eram parte do encanto. A empresa anuncia "uma viagem a Pyongyang nem um pouco parecida com o seu festival da cerveja típico", na metade do ano, e uma excursão internacional de dia de St. Patrick com "uma turnê internacional de bares": "Vista verde e una-se a nós quando desafiarmos os [norte]-coreanos para um drinking game amistoso ", o site da empresa anuncia.

Mas visitar a Coreia do Norte com uma atitude casual demais pode gerar uma atmosfera de "irresponsabilidade" entre os grupos de excursão, disse outra pessoa que viaja com frequência a Pyongyang.

Um turista plantou bananeira diante do Kumsusan, o mausoléu onde repousam os corpos dos dois primeiros líderes da Coreia do Norte, um dos locais mais delicados para o regime. Isso resultou na demissão da guia norte-coreana que acompanhava o grupo, disseram duas pessoas conhecedoras da situação.

"As pessoas adoram enfeitar suas histórias, quando a mídia demonstra interesse", disse Troy Collings, neozelandês que é um dos sócios da empresa.

Os coordenadores das excursões alertam todos os clientes sobre a importância do Kumsusan e os instruem a não agir de modo inapropriado perto de imagens dos líderes, ele diz.

Daniel Lahti, 31, um sueco que correu a maratona de Pyongyang em abril, disse que jamais sentiu qualquer insegurança na Coreia do Norte, mesmo quando saiu para tomar umas cervejas depois da prova.

"Foi tudo perfeitamente tranquilo em nossa visita", disse Lahti, que viajou ao país em uma excursão liderada por Collings. "Ele sempre demonstrou muita preocupação com a segurança e disse que devíamos nos comportar de certas maneiras. Desde que você respeite as regras, tudo vai bem".

Adrian Webster, 31, australiano que visitou a Coreia do Norte com sua namorada em abril, disse que sempre se sente seguro quando viaja com a Young Pioneer Tours.

"Antes de partir para a Coreia do Norte, tivemos uma sessão de instrução em Pequim. Eles destacaram todas as regras, e responderam às nossas perguntas e dúvidas", disse Webster. "Ao fazer a reserva, você precisa ler e assinar um contrato de viagem".

A Young Pioneer Tours foi fundada em 2008 por Gareth Johnson, 36, um britânico que tem no braço esquerdo uma grande tatuagem vermelha com a foice e o martelo comunistas que, em companhia de um pincel de caligrafia, servem de símbolo ao regime norte-coreano. Na sua tatuagem, o lugar do pincel é ocupado por uma metralhadora.

"Percebi que havia espaço para um agência de viagens de baixo preço atendendo a clientes que usualmente não viajam em excursões, e por isso senti que podia combinar meu amor por viagens e o amor que estava desenvolvendo pelo povo e a cultura da DPRK", afirma Johnson no site de sua empresa, usando a sigla para República Democrática Popular da Coreia, o nome oficial da Coreia do Norte.

Johnson não respondeu a pedidos de comentário.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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