Folha de S. Paulo


Após ataques terroristas, Reino Unido quer policiar a internet

Ben Stansall/AFP
A primeira-ministra do Reino Unido Theresa May após as eleições da última quinta (8)
A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May

Depois de sofrer ataques terroristas e passar por uma eleição nacional, o Reino Unido novamente voltou sua atenção a um plano controverso: a regulamentação da internet.

Parlamentares de todas as partes do espectro político estão promovendo os planos mais amplos do mundo ocidental para regulamentar empresas como Google, Facebook e Twitter, criando as condições para um provável enfrentamento com elas.

De um lado estão os legisladores e as autoridades policiais britânicos, que querem reprimir a divulgação de mensagens e comunicações de extremistas pela internet. Do outro lado, além das próprias empresas gigantes da tecnologia, se posicionam os grupos que defendem a privacidade e a liberdade de expressão. Para eles, as propostas do governo vão longe demais.

Discussões semelhantes estão pipocando pelo mundo afora.

No ano passado o FBI (polícia federal americana) tomou medidas legais contra a Apple para obrigar a empresa a decodificar o iPhone de um suspeito de terrorismo. A polícia americana acabou recorrendo a terceiros para conseguir acesso aos dados do smartphone.

Na Alemanha, legisladores pretendem impor multas de até € 50 milhões (R$ 184 milhões) a empresas do Vale do Silício que não limitem a circulação de discursos de ódio em suas redes sociais.

Uma legislação recente já confere às autoridades policiais britânicas alguns dos maiores poderes do mundo de ler e monitorar comunicações on-line trocadas entre potenciais extremistas.

Agora os políticos britânicos querem ir ainda mais longe.

Em seu manifesto eleitoral e em discursos de políticos seniores, o governista Partido Conservador apresentou propostas para conferir às autoridades de segurança mais maneiras de monitorar potenciais extremistas.

A primeira-ministra Theresa May tratou da questão em uma reunião recente do G7 e em discussões com o presidente francês, Emmanuel Macron.

Mas, se as propostas forem implementadas, haverá custos.

Os conservadores estão governando com uma minoria no Parlamento. Provavelmente terão que depender do apoio de outros partidos para governar. Para isso, pode ser necessário fechar acordos ou trocas.

E as medidas adicionais podem prejudicar o esforço britânico para atrair novos investimentos do setor tecnológico global, enquanto o Reino Unido se prepara para deixar a União Europeia.

QUEM DEVE TER ACESSO?

Após o ataque terrorista que deixou oito mortos na ponte de Londres, em 3 de junho, Theresa May emitiu uma mensagem simples.

"Precisamos fazer o máximo possível em casa para reduzir os riscos do extremismo on-line", ela disse ao público britânico, ecoando mensagem semelhante transmitida por seu governo depois de um ataque semelhante em Manchester.

Parte do plano consiste em exigir que empresas como Apple e Facebook permitam que as agências britânicas de segurança nacional acessem as mensagens encriptadas em serviços como FaceTime e WhatsApp.

Esses serviços utilizam a chamada encriptação de ponta a ponta –ou seja, as mensagens são encriptadas quando são transmitidas de um aparelho, de modo que se tornam indecifráveis a não ser por seus destinatários pretendidos.

Como suas contrapartes nos EUA, as autoridades britânicas querem criar uma "porta dos fundos" digital para poder passar por cima dessa tecnologia.

Mas especialistas avisam que se for criada uma abertura para agências de inteligência, outros atores, incluindo governos estrangeiros e hackers, poderiam potencialmente ganhar acesso às mensagens digitais das pessoas.

E isso provavelmente levaria grupos terroristas a adotar outras formas de comunicação encriptada, ao mesmo tempo em que deixaria os britânicos comuns, além de pessoas de outros países em trânsito pelo país, suscetíveis à pirataria on-line.

"Se o governo britânico conseguir uma chave especial como essa, o que vai impedir outros governos de pedir o mesmo acesso?", disse Nigel Smart, professor de criptologia na Universidade de Bristol. "Precisamos da encriptação de ponta a ponta porque ela impede qualquer monitoramento."

Legisladores britânicos dizem que as agências policiais e de inteligência precisam desse acesso para poder frustrar potenciais complôs terroristas.

Mas o Facebook e outras empresas dizem que já fornecem informações sobre as atividades on-line de seus usuários, quando isso lhes é pedido, incluindo o endereço de IP –uma forma de identificação de aparelhos digitais– das máquinas de onde são transmitidas mensagens.

Em carta enviada a políticos britânicos no final de 2015, justamente quando estava vindo à tona uma discussão anterior sobre regulamentação no setor de tecnologia, a Apple deixou clara qual é sua posição.

"Consideramos que seria errado enfraquecer a segurança de centenas de milhões de consumidores que respeitam as leis, com o intuito de enfraquecê-las para os muito poucos que representam uma ameaça", disse a empresa.

Stephen Lam - 13.nov.2015/Reuters
Sede do Google em Mountain View, nos Estados Unidos
Sede do Google em Mountain View, nos Estados Unidos

O QUE DEVE SER CONTROLADO?

Os políticos britânicos têm ainda outro alvo em sua proposta de policiar a internet: mensagens extremistas que são circuladas no Facebook, YouTube e outras mídias sociais.

Enquanto outros países já adotaram medidas para controlar o compartilhamento desses materiais na web, ativistas e executivos do setor de tecnologia dizem que o Reino Unido foi mais longe que qualquer outro país ocidental, frequentemente encarregando as empresas de determinar quando tirar do ar conteúdos que, embora sejam ofensivos, não são ilegais ou violentos.

"Eu gostaria de ver o setor de tecnologia ir mais longe e ser mais ágil em não apenas remover conteúdos terroristas on-line, mas impedir que eles sejam colocados on-line em primeiro lugar", disse a secretária do Interior britânica, Amber Rudd, antes de uma reunião com executivos de tecnologia este ano.

Na ocasião, ela os pressionou a tomar medidas adicionais para combater conteúdos extremistas.

Alguns outros legisladores europeus avisam que a imposição de limites muito rígidos ao que pode ser compartilhado na web pode limitar a liberdade de expressão –um tema delicado para muitas pessoas que cresceram atrás da Cortina de Ferro da era soviética.

"Para mim, a liberdade de expressão é um direito humano fundamental", disse em entrevista dada este ano Andrus Asip, chefe digital da Comissão Europeia, o braço executivo da UE. "Não queremos um 'Ministério da Verdade'."

Tradução de CLARA ALLAIN


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