Folha de S. Paulo


Ideias de Macron são retrógradas, não progressistas, diz filósofo francês

As vitórias políticas do presidente francês, Emmanuel Macron, foram celebradas pelo mercado e pela imprensa nos últimos dois meses.

Derrotando a candidata ultranacionalista de direita Marine Le Pen nas eleições presidenciais de maio, e assegurando nas legislativas de domingo (18) uma ampla maioria parlamentar, Macron é hoje enxergado como uma figura quase messiânica, a sanar os problemas do país.

Christophe Archambault/AFP
Emmanuel Macron, presidente da França, vota nas legislativas no domingo (18)
Emmanuel Macron, presidente da França, vota nas legislativas no domingo (18)

Não para o filósofo Jean-Fabien Spitz, da Universidade Sorbonne, que pede desculpas à reportagem da Folha depois de conversar sobre o futuro do movimento de Macron, o República em Frente!. "Você deve ter percebido que não sou um fã."

Spitz vê com bastante ceticismo a plataforma liberal do presidente, que deve ser aprovada na Assembleia Nacional sem enfrentar resistência. As medidas incluem reformar a legislação trabalhista, discutindo a duração da jornada de trabalho atual e facilitando as demissões.

"Essas medidas não são novas e seus efeitos, horríveis em termos de desigualdade, foram vistos em outros lugares. Em particular, no Reino Unido e nos EUA."

"Ele alega ser um tipo de Bill Clinton ou Tony Blair, mesmo que tenha chegado um pouco tarde demais", diz. "Esses políticos já não brilham tanto quanto antigamente. Fraturaram seus países e criaram bastante caos em termos de pobreza."

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Folha - Macron foi tratado durante os últimos meses como um fenômeno novo. Quão verdadeiro é isso?
Jean-Fabien Spitz - Ele é novo porque vai conduzir uma política de liberalização que nunca foi feita antes na França. A direita estava temerosa de perder as próximas eleições, e nunca ousou promover tais políticas.
Essas medidas não são novas e seus efeitos, horríveis em termos de desigualdade, foram vistos em outros lugares. Em particular, no Reino Unido e nos EUA.

O que ele representa em termos de filosofia política?
Ele não tem filosofia política, mas um mantra, que é a necessidade de adaptar a França ao mundo como ele é: muito mais desigual e perigoso, porque as sociedades fraturadas são incapazes de metabolizar as suas fontes de violência e de terrorismo.

É muito mais difícil também para aqueles que não se beneficiam do jogo da globalização. Eu diria que as ideias dele são retrógradas, em vez de progressistas.

Ele traz algum tipo de visão americana da política?
Os eleitores francês conhecem muito pouco a visão americana. O presidente dos EUA, Donald Trump, certamente não é um modelo positivo para Macron e seus seguidores. Mas ele certamente alega ser um tipo de Bill Clinton ou Tony Blair, mesmo que tenha chegado um pouco tarde demais, pois esses políticos já não brilham tanto quanto antigamente.

Eles fraturaram seus países e criaram bastante caos em termos de pobreza.

Macron elegeu centenas de candidatos sem experiência política. Soa como uma renovação positiva, mas quais são as limitações de não políticos na política?
É uma grande mudança, mas as perspectivas são ruins. Esses deputados vão constituir uma imensa maioria sem oposição real. Vão votar cegamente nas leis e propostas vindas da Presidência e do gabinete. Que tipo de democracia deliberativa vamos ter se nenhuma discussão sobre os projetos do governo for permitida?

Com a maioria, ele vai aprovar sua agenda sem resistência. A população deveria, então, se preocupar com o quão liberal isso será?
Os membros da República em Frente! pertencem à elite da sociedade francesa. São formados na universidade, têm vínculos com empresas ou são empresários.
É fácil supôr que as políticas que eles vão defender serão aos interesses da parte mais abastada da população. As mudanças planejadas na lei trabalhista são um exemplo: menos proteções legais, demissões mais fáceis.

O dogma é que, quando os ricos ficarem ainda mais ricos, tudo vai estar bem para todo o mundo. Mas a experiência em outros países mostra que é uma fantasia.

Essas reformas liberais foram adiadas por outros partidos pelo receio de serem impopulares, como o sr. disse. Macron arrisca perder sua popularidade cedo demais?
Algumas pessoas estão bastante impacientes para promover essas reformas liberais porque estão convencidas de sua necessidade absoluta. Veem a França como um país arcaico com muitas proteções e gasto público. Mas outros temem essas mesmas reformas. Acreditam que, mesmo que o modelo francês tenha que ser adaptado, ele é uma parte vital de nossa cultura e identidade.

O sr. é especializado em John Locke (filósofo do séc. 17), que escreveu sobre justiça social. Como esse governo pode incrementar a justiça social e diminuir as desigualdades?
Macron e seus seguidores nunca mencionam a justiça social. Estão convencidos, como o ex-presidente americano Ronald Reagan e a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, de que a única preocupação dos políticos deveria ser maximizar o PIB (produto interno bruto, soma das riquezas do país).

Quanto à justiça, acreditam que a maneira com que o mercado distribui as riquezas é intrinsecamente justo e que aqueles que têm dinheiro simplesmente merecem.


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