Folha de S. Paulo


Ameaçado de derrotas, líder do Estado Islâmico vai de 'califa' a fugitivo

O líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, está muito perto de perder o controle sobre os dois principais centros de seu "califado", mas embora esteja foragido, autoridades e especialistas acreditam que capturá-lo ou matá-lo provavelmente levará anos.

Os combatentes do Estado Islâmico estão perto da derrota nas capitais duplas do território controlado pela facção, Mossul, no Iraque, e Raqqa, na Síria, e autoridades dizem que Baghdadi está se mantendo longe das duas, e está escondido nos milhares de quilômetros quadrados de deserto que as separam.

"Ele terminará por ser morto ou capturado; não poderá se manter para sempre na clandestinidade", disse Lahur Talabany, diretor de combate ao terrorismo no Governo Regional do Curdistão, a região autônoma curda no norte do Iraque. "Mas isso vai demorar alguns anos", ele declarou à agência de notícias Reuters.

Uma das principais preocupações de Baghdadi é garantir que as pessoas que o cercam não o traiam para receber a recompensa de US$ 25 milhões oferecida pelos Estados Unidos a quem ajude a levá-lo "à Justiça", disse Hisham al-Hashimi, consultor que assessora governos do Oriente Médio sobre questões relacionadas ao Estado Islâmico.

"Sem terra que ele possa governar abertamente, Baghdadi não pode mais invocar o título de califa", disse Hashimi. "Ele é um homem em fuga, e o número de seus partidários vêm encolhendo à medida que sua facção perde território".

Forças iraquianas reocuparam boa parte de Mossul, cidade do norte do Iraque que a facção radical liderada por Baghdadi capturou em junho de 2014, e onde ele se declarou "califa", ou líder de todos os muçulmanos, pouco mais tarde. Raqqa, sua capital na Síria, está quase cercada por uma coalizão de facções curdas e árabes sírias.

As últimas imagens divulgadas em vídeo mostram Baghdadi em 2014, usando trajes religiosos pretos e declarando seu califado do púlpito da Grande Mesquita al-Nuri, um templo construído na era medieval em Mossul.

Nascido Ibrahim al-Samarrai, Baghdadi, 46, é um iraquiano que rompeu com a Al Qaeda em 2013, dois anos depois da captura e morte do líder do grupo, Osama bin Laden.

Ele cresceu em uma família religiosa, estudou teologia islâmica em Bagdá e se uniu aos insurgentes jihadistas da facção salafista em 2003, o ano da invasão do Iraque por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos. Ele foi aprisionado pelos norte-americanos, que o libertaram um ano mais tarde por considerá-lo um líder civil e não um alvo militar.

RECOMPENSA

Hashimi disse que Baghdadi é tímido e reservado, e que recentemente vem operando na região de fronteira entre o Iraque e a Síria, esparsamente povoada e na qual é fácil avistar drones (aeronaves de pilotagem remota) e forasteiros.

O Programa de Recompensas para Combate ao Terrorismo, do Departamento de Estado norte-americano, estipulou recompensa de US$ 25 milhões para quem ajude na captura de Baghdadi, o mesmo valor oferecido por informações sobre Bin Laden e o antigo presidente iraquiano Saddam Hussein, e pelo sucessor de Bin Laden no comando da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, ainda foragido.

Saddam e Bin Laden não foram localizados com a ajuda de denúncias, mas a oferta da recompensa dificultou seus movimentos e comunicações. "A recompensa cria preocupação e tensão, restringe seus movimentos e limita o número de seguranças que ele pode manter", disse Fadhel Abu Rheef, especialista em grupos extremistas, radicado em Bagdá. "Ele não passa mais de 72 horas no mesmo lugar".

Baghdadi "está nervoso e é muito cuidadoso em seus movimentos", disse Talabany, cujos serviços estão diretamente envolvidos no combate a tramas do Estado Islâmico. "O círculo de pessoas em quem ele confia só diminuiu".

O último discurso de Baghdadi que circulou publicamente foi gravado no começo de novembro, duas semanas depois do início da batalha por Mossul. Ele instou seus seguidores a combater os "infiéis" e a "derramar rios de sangue" dos inimigos.

Autoridades dos Estados Unidos e do Iraque acreditam que ele tenha deixado comandantes operacionais e seguidores fanáticos para lutar por Mossul e Raqqa, e que tenha optado por garantir sua sobrevivência. Não há como confirmar seu paradeiro.

Baghdadi não usa telefones e suas comunicações são realizadas por intermédio de um pequeno número de mensageiros selecionados, coordenados por seus dois principais assessores, Iiyad al-Obaidi, seu ministro da Defesa, e Ayad al-Jumaili, o encarregado da segurança. Não houve confirmação de uma reportagem da TV estatal iraquiana, veiculada em 1º de abril, informando que Jumaili havia sido morto.

Baghdadi se desloca em carros comuns ou no tipo de picape usado por agricultores, entre esconderijos localizados dos dois lados da fronteira entre Iraque e Síria, acompanhado por apenas um motorista e dois guarda-costas, disse Hashimi.

A região é bem conhecida para seus homens, e foi um dos polos da insurgência sunita contra as forças norte-americanas que invadiram o Iraque e o governo de maioria xiita que posteriormente assumiu o controle do país.

No pico de seu poderio, dois anos atrás, o Estado Islâmico controlava um território que se estendia do norte da Síria aos vales dos rios Tigre e Eufrates, no Iraque, e chegava às cercanias da capital iraquiana Bagdá, incorporando numerosas cidades e aldeias e abrigando milhões de habitantes.

A facção perseguia os não sunitas e até mesmo os sunitas que divergissem de sua versão extrema da lei islâmica, com execuções públicas e açoitamentos por violação das severas normas de aparência, comportamento e movimento. Mas a facção está em retirada diante de uma multidão de forças locais, regionais e internacionais, que foram levadas a agir pelas dezenas de ataques letais que o grupo reivindicou ou inspirou em todo o mundo.

O que é Estado Islâmico

Agora, restam algumas centenas de milhares de pessoas vivendo em áreas controladas pela facção, em e em torno de Raqqa e Deir al-Zor, no leste da Síria, e em alguns poucos bolsões ao sul e oeste de Mossul.

Hashimi disse que o Estado Islâmico estava retirando alguns combatentes de Raqqa antes que a cidade fosse cercada, e reagrupando seus efetivos em Deir al-Zor.

Mossul, que antes da guerra tinha dois milhões de habitantes, era pelo menos quatro vezes maior que qualquer outra das cidades capturadas pela facção. Restam 200 mil pessoas aprisionadas na Cidade Velha, a área da cidade ainda controlada pelo Estado Islâmico, que está cercada.

Elas estão sem suprimentos e vêm sendo usadas como escudos humanos para obstruir o avanço das forças iraquianas, que são parte de uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.

As Forças Democráticas Sírias, compostas por facções curdas e árabes apoiadas pela coalizão liderada pelos norte-americanos, iniciaram seu ataque a Raqqa na semana passada, depois de uma campanha de meses de duração para cercar a cidade.

Os militantes do Estado Islâmico também estão combatendo forças leais ao presidente Bashar Assad, na Síria, que contam com apoio da Rússia e Irã, e também rebeldes muçulmanos majoritariamente sunitas, apoiados pela Turquia.

A última informação oficial sobre Baghdadi veio das forças armadas iraquianas, em 13 de fevereiro. Caças F-16 iraquianos executaram um ataque contra uma casa na qual ele supostamente se reuniria com outros comandantes, no oeste do Iraque, perto da fronteira com a Síria, informou o comunicado.

No total, restam oito mil combatentes ao Estado Islâmico, dos quais dois mil estrangeiros provenientes de outros países árabes, da Europa, da Rússia e do centro da Ásia, disse Abu Ragheef.

"O número é pequeno se comparado às dezenas de milhares de combatentes inimigos alinhados contra eles nos dois países, mas o Estado Islâmico ainda é uma força que merece respeito, formada por fanáticos com nada a perder que se abrigam em meio a civis e usam extensamente armadilhas explosivas, minas e outros dispositivos explosivos", ele disse.

O governo norte-americano criou uma força-tarefa combinada para rastrear Baghdadi, com tropas de operações especiais, representantes da Agência Central de Inteligência (CIA) e de outras agências de inteligência, e satélites de espionagem da Agência Nacional de Inteligência Geoespacial.

Talabany diz que será preciso mais que isso para eliminar a influência de Baghdadi. "Ele continua a ser considerado como líder do Estado Islâmico e muitos continuam a lutar por ele; isso não mudou drasticamente", ele disse. Mesmo que Baghdadi seja morto ou capturado, ele acrescentou, "seu legado e o do Estado Islâmico perdurarão, a não ser que o extremismo radical seja enfrentado".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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