Folha de S. Paulo


Com preço menor, 'plano de saúde cristão' atrai não religiosos nos EUA

Quando a jornalista Hillary Rosner, 45, começou, em dezembro, a procurar opções mais acessíveis de cobertura de saúde sob o Obamacare, deparou-se com uma que faria sua família economizar US$ 8.400 (R$ 27.600) anuais.

Para isso, a condição era assumir que o casamento é "um laço entre um homem e uma mulher" e que aborto é "errado". Ela desistiu.

Dominick Reuter - 10.mai.2017/AFP
Demonstrators protest before a town hall meeting with US Representative Tom MacArthur (R-NJ) in Willingboro, New Jersey on May 10, 2017. MacArthur wrote the amendment to the American Health Care Act that revived the failed bill, delivering a legislative victory for US President Donald Trump. / AFP PHOTO / DOMINICK REUTER ORG XMIT: DRX0
Manifestantes protestam diante do Congresso em Washington contra a proposta de mudança no sistema de saúde feita pelo presidente Donald Trump

A opção que Rosner dispensou não era exatamente um plano de saúde, mas um "ministério de compartilhamento de tratamento de saúde".

Neles, as pessoas que tenham, ou afirmem ter, os mesmos valores religiosos ou éticos podem pagar uma mensalidade para entrar, e as contribuições são usadas para tratar todos os membros, conforme a necessidade.
Sob o Obamacare, quem é membro desses ministérios não está sujeito à obrigatoriedade de ter um plano de saúde individual —e nem à multa aplicada aos que não têm.

Isso fez com que a procura pela opção religiosa aumentasse muito: quase sete vezes nos últimos dez anos, sendo o maior crescimento depois da implementação do Obamacare, segundo a Aliança dos Ministérios de Compartilhamento de Tratamento de Saúde. Hoje, 850 mil pessoas são membros da Aliança, que reúne os três maiores ministérios do país. Em 2007, quando ela foi criada, eram 125 mil.

O vice-presidente da Aliança, Joel Noble, admite que, muitas vezes, as pessoas são atraídas pelo preço, assinam o termo de fé cristã obrigatório para se tornar membro e depois acabam desistindo.

"Muitas vezes, depois de um tempo, as pessoas percebem que não é aquilo que elas pensavam e não pagam a mensalidade seguinte", disse ele à Folha.

No caso do Altrua, ministério que Rosner havia consultado primeiro e que possui hoje 10 mil membros, os participantes se comprometem a não usar nenhuma droga ilícita ou tabaco ou consumir álcool de forma excessiva.

Também reconhecem que sexo fora do casamento é "moralmente errado" e que o aborto só não é errado quando a mãe corre o risco de morrer.

Em pelo menos dois dos ministérios da Aliança, exames pré-natais e o parto de uma mulher solteira (ou divorciada) não serão cobertos pelas mensalidades.

"Há vezes em que, mesmo na comunidade cristã, mulheres solteiras engravidam. Os membros dos Ministérios de Tratamento de Saúde Cristão concordaram em não compartilhar os gastos médicos de gestações de mães solteiras", diz o guia de um deles.

TERMO DE FÉ

Depois que seu plano de saúde acabou, Rosner contratou um outro seguro, para o qual pagava mais de US$ 1.000 por mês para ela, o marido e o filho de três anos. Foi então que descobriu que havia ministérios em que ela não precisaria assinar um termo de fé com o qual não concordava.

Em abril, a família se inscreveu no Liberty Health Share, pertencente a uma igreja cristã menonita -mas que também só reconhece o casamento heterossexual. Hoje, pagam US$ 450 por mês.

Editoria de Arte/Folhapress
A LEI DA SAÚDE DE TRUMPProjeto transfere recursos de pobres para ricos
A LEI DA SAÚDE DE TRUMP

A jornalista já foi ao médico uma vez desde então, e pagou US$ 185 pela consulta. Ela só poderá usufruir do "plano cristão" depois de gastar US$ 1.500 com saúde por ano —no seguro anterior, precisava gastar US$ 12 mil antes de ter acesso à cobertura.

"Ainda estou economizando US$ 600 por mês", diz, afirmando estar satisfeita até agora. "Mas como não é um seguro, não há uma garantia legal de que eles vão pagar quando eu precisar, então é um risco. A questão é que eu realmente não podia mais pagar o meu plano."

Para Noble, é importante que as pessoas entendam o conceito de compartilhar os gastos com saúde em comunidade —e que só participem se estiverem confortáveis com os valores que eles defendem.

Ele explica que, na maioria dos ministérios, os pagamentos dos primeiros dois meses são destinados à administração da organização.

"Assim as pessoas entendem que estão compartilhando com outra pessoa e não com uma empresa."

Em parte deles, também há uma espécie de checagem anual com líderes religiosos. No formulário para a inscrição no Ministério Samaritano, por exemplo, há um espaço para que o pastor responda se o aplicante frequenta os cultos pelo menos três vezes por mês (há exceção para viagens e casos de doença) e se ele realmente se abstém de drogas, álcool e sexo fora do "casamento tradicional bíblico".

Noble diz não se preocupar com o texto para substituir o Obamacare que está sendo discutido agora no Senado. "Não acho que vai ter um impacto negativo nos ministérios", diz.

Comprar uma briga com o eleitorado religioso, de fato, não é boa opção para os republicanos. A versão que passou na Câmara nem sequer citava os ministérios.


Endereço da página:

Links no texto: