Folha de S. Paulo


Reforço policial ameniza violência em Chicago, mas cresce medo de abusos

Scott Olson - 27.mai.2017/Getty Images/AFP
Polícia procura por provas perto de carro onde homem foi baleado em Chicago no último sábado (27)
Polícia procura por provas perto de carro onde homem foi baleado em Chicago no último sábado (27)

O feriado norte-americano do Dia da Memória, celebrado neste ano na segunda-feira (29), muitas vezes marca o começo da pior das estações para Chicago: os meses mais quentes, e os mais violentos, do ano.

Mas os três dias do feriado registraram um número menor de crimes com armas de fogo que no ano passado, o que os moradores da cidade dizem esperar seja um vislumbre de uma tendência mais firme e mais duradoura.

As autoridades tomaram providências especiais para controlar a violência armada e de quadrilhas que em 2016 colocou Chicago no topo do ranking de homicídios dos Estados Unidos.

Nas primeiras horas do feriado, a polícia de Chicago realizou operações de repressão a gangues e buscas em casas noturnas ilegais, fazendo dezenas de detenções e apreendendo armas.

A polícia elevou em 1.300 policiais o efetivo em ação no final de semana, com presença ostensiva de policiais em bicicletas nos parques da cidade e de helicópteros sobrevoando o lago Michigan.

E as autoridades conduziram uma complexa análise dos crimes cometidos em alguns dos bairros mais perigosos da cidade, para decidir para onde policiais deveriam ser enviados.

No final do feriado, pelo menos 46 pessoas haviam sido feridas por tiros e cinco mortas em homicídios, entre a noite da sexta-feira e o final de uma noite quente de piqueniques e festas na segunda-feira, de acordo com relatórios policiais.

No mesmo período, em 2016, 64 pessoas foram feridas em incidentes envolvendo armas de fogo e sete foram mortas. No feriado do ano passado, uma equipe de reportagem do "New York Times" estava presente na cidade para registrar as ocorrências.

"Considerando que o ano passado foi horrendo, não sei exatamente se dizer que esse ano as coisas melhoraram representa alguma coisa, mas os números caíram, e isso definitivamente tem valor", disse o reverendo Ira Acree, que lidera uma igreja em um bairro do West Side que vem registrando incidentes regulares de violência armada.

Acree disse que estava grato pelo esforço adicional da polícia para conter o crime. "Quando a violência atinge proporções épicas, é necessário tentar qualquer coisa para ser pró-ativo. Qualquer tipo de medida preventiva que a polícia proponha, é preciso que estejamos dispostos a tentar. Há vidas reais em jogo."

Algumas autoridades dizem que estão vendo modestos sinais de progresso que podem durar mais que um final de semana de feriado. Até a semana passada, 217 homicídios haviam acontecido em Chicago em 2017, uma queda de 6% ante o total do período um ano atrás, e os incidentes de violência com armas de fogo caíram em 13%.

Scott Olson/Getty Images/AFP
Polícia mantém guarda ao lado de mercado onde homem foi baleado diversas vezes em Chicago
Polícia mantém guarda ao lado de mercado onde homem foi baleado diversas vezes em Chicago

PREVENÇÃO

O declínio na violência armada foi especialmente pronunciado em alguns dos bairros mais violentos da cidade, disseram as autoridades.

Neles, centrais policiais especiais foram criadas recentemente como forma de usar análise preventiva de dados, informações sobre incidentes armados e imagens de vigilância em tempo real a fim de decidir sobre onde posicionar policiais.

Em um desses distritos policiais —no bairro do West Side de Chicago, que registrou a maior concentração de tiroteios no Dia da Memória do ano passado—, não houve incidentes envolvendo armas de fogo no feriado deste ano, de acordo com os registros policiais.

Ainda assim, muita gente em Chicago acredita que seja cedo demais para declarar que a crise de violência da cidade está resolvida. Embora tenha caído em comparação com o ano passado, o número de incidentes envolvendo armas de fogo durante o feriado ainda foi elevado.

As estatísticas de violência armada costumam subir e cair abruptamente, e algumas pessoas se preocupam com a capacidade do governo municipal para manter a presença reforçada de policiais nas ruas em prazo mais longo que o final de semana prolongado do Dia da Memória.

Algumas elogiaram a presença policial reforçada e as operações de repressão, mas também questionaram se isso não vai prejudicar ainda mais o relacionamento sempre conturbado entre a polícia e a comunidade, especialmente a população negra.

"Tenho minhas dúvidas", disse o ativista comunitário William Calloway. "Temos de encontrar um modo de manter a polícia presente mas sem que ela se exceda".

Entre as pessoas mortas a tiros há um menino de 15 anos morto com um tiro nas costas por volta das 18h30 do domingo, quando alguém começou a atirar contra um carro cinzento que estava percorrendo as ruas do West Side, e um jovem de 18 anos morto com um tiro na cabeça pouco antes das 18h, no South Side.

Os cadáveres de um homem e uma mulher foram encontrados, com marcas de ferimentos a bala na cabeça, em um caso que a polícia acredita envolva um homicídio doméstico seguido por suicídio.

"Ainda não é hora de fazer um desfile comemorativo", disse o padre Michael Pfleger, sacerdote católico de uma paróquia do South Side. "Dizer que estamos melhor do que no ano passado é bom, mas o ano passado foi desastroso, e por isso não serve como boa referência. Estamos falando de apenas um final de semana".

Na madrugada do domingo para a segunda-feira, dois homens estavam em seu carro em uma via expressa de Chicago e foram alvo de disparos vindos de outro veículo —um padrão de agressão que vem ganhando força nos últimos anos em algumas das vias mais movimentadas da cidade, segundo a polícia.

Como é em geral no South Side ou no West Side, e não nos bairros mais ricos, e mais brancos, do North Side. A maior parte das vítimas dos ataques são homens, muitos dos quais na casa dos 20 anos.

Pfleger e outros dizem que policiamento não basta para resolver a violência da cidade. Os líderes comunitários de Chicago apelam por mais empregos nos bairros em crise, por uma melhora da educação pública, em um sistema que enfrenta problemas de verba, e por mais opções de habitação para pessoas de baixa renda em todas as áreas da cidade, e não só nos bairros mais problemáticos.

"Será que superamos a crise?", Pfleger disse sobre as estatísticas da violência no feriado. "Eu hesitaria um pouco em dizer que o fizemos, por enquanto. Vamos superar a crise quando decidirmos, como cidade, que não deve haver duas Chicagos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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