Folha de S. Paulo


Ante repressão, ajuda humanitária é enviada à Venezuela por contrabando

Jose Caruci - 13.mai.2017/AFP
Alfred Santamaria packs medical supplies to send to protesters in Venezuela at the
Voluntários empacotam comida e remédios para enviar à Venezuela em centro comunitário na Flórida

A advogada venezuelana Blanca Montilla, 49, disse à Folha ter recebido sugestões para abrir uma campanha de arrecadação de alimentos e remédios em São Paulo para levar a seu país natal, mas esbarrou em um problema.

"Temos certeza de que vamos arrecadar muito. O problema é como vamos mandar. Não adianta nada coletar toneladas de coisas se você não tem como fazer chegar lá".

Os três anos de escassez elevaram a pobreza para 82%, a mortalidade infantil em 30% e levaram ao retorno da difteria. Apesar da crise, o presidente Nicolás Maduro rejeita a entrada de ajuda humanitária oferecida por outros países, incluindo o Brasil.

Após o início da onda de protestos, porém, a repressão à entrada de comida e remédios aumentou. Os agentes fiscais e os militares passaram a apreender a maioria das encomendas que chegam pelo método porta a porta.

Até então, o mecanismo era o mais usado e seguro para mandar os produtos. Sem ele, as associações tiveram que recorrer ao contrabando.

Esse foi o caminho encontrado pela organização Venezuelanos Perseguidos Políticos no Exterior (Veppex) para enviar remédios, artigos de primeiros socorros e máscaras de gás aos manifestantes.

A entidade sediada em Miami é a maior e mais influente da diáspora venezuelana. Seu presidente, o ex-militar José Antonio Colina, disse ter montado uma "logística de guerra" para mandar 600 caixas com 5,4 toneladas de insumos ao país caribenho.

A decisão foi tomada depois do extravio de cerca de 200 caixas enviadas pelo porta a porta. Segundo Colina, as doações vão em aviões particulares a aeroportos colombianos perto da fronteira e passam à Venezuela pelo que chama de "vias alternativas".

"Já prevíamos essa situação quando eles se negaram a permitir um canal humanitário que permite a entrada de comida e remédios."

Questionado pela Folha sobre o financiamento da operação, ele disse que a entidade só pagou US$ 200 (R$ 654) para custear a logística na Venezuela. Os aviões foram doados e os atravessadores são voluntários, afirma.

O Programa de Ajuda Humanitária à Venezuela, um dos poucos que conseguem fazer chegar comida e alimentos, foi um dos mais afetados pelo ataque às encomendas.

A ONG, fundada em 2014, atende a 90 entidades e permite doações em dinheiro. Segundo sua diretora, Marisol Diéguez, foram enviadas 181 toneladas de ajuda desde a fundação.

Embora tenha usado o acesso ilegal há três anos, Diéguez nega, por ora, que recorrerá ao método. Para isso, diz confiar em informações de parceiros na internet.

"Isso nos serve para tomar decisões e, com isso, evitamos colocar em risco o envio das doações. Elas estão saindo no momento oportuno, que é o mais seguro", disse.

A entidade publica fotos das doações, mas oculta nomes e rostos dos beneficiários. "Quando recuperarmos a liberdade e a soberania do nosso país divulgaremos a informação", comenta Diéguez.

Outra forma de mandar ajuda pelo porta a porta era comprando a comida em falta na Venezuela em sites nos EUA, mas o preço é salgado.

Uma cesta com os mesmos itens e quantidades das dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap) sai por US$ 139 (R$ 457) –55 vezes mais que os 15 mil bolívares (R$ 8) que o governo cobra.

08.jan.2017/Predidência da Venezuela/Xinhua
(170108) -- CARACAS, enero 8, 2017 (Xinhua) -- Imagen cedida por la Presidencia de Venezuela del presidente venezolano, Nicolás Maduro (c), participando durante su programa semanal Contacto con Maduro, en el Centro de Empaquetamiento para los Comités Locales de Abastecimiento y Producción (CLAP) en Caracas, Venezuela, el 8 de enero de 2017. El presidente de Venezuela, Nicolás Maduro, anunció el domingo el aumento en 50 por ciento del salario mínimo de los trabajadores, para enfrentar la aguda crisis económica que afronta la nación sudamericana. (Xinhua/Presidencia de Venezuela) (bv) (rtg) ***NO VENTAS*** ***SOLO USO EDITORIAL***
Maduro apresenta programa de TV em depósito dos Clap, sua aposta contra a escassez

Os Clap são a aposta de Maduro para a falta de alimentos. O governo anunciou que as cestas já chegaram a 6 milhões de famílias, mas a entrega é irregular e beneficia as bases de militantes chavistas.

Para tentar resolver a situação dos remédios, o presidente disse em março que pediria ajuda à ONU para recuperar a produção. Dois meses depois, o projeto não avançou.

OPERAÇÕES

O cenário se complicou nesta semana ao ser lançada uma operação para impedir a entrada de equipamentos para os manifestantes.

Na terça (27), o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, ameaçou as transportadoras. "Se sua empresa permite que cheguem equipamentos a terroristas, então contra vocês também se deve aplicar a lei antiterrorismo."

Ao lado de sua mesa, o resultado de uma apreensão. Salvo estilingues, bolas de gude e de golfe, que podem ser usados como armas, o resto era de máscaras contra gás, um megafone e uma caixa de primeiros socorros.

*

FERROLHO VENEZUELANO

IMPEDIMENTOS

Monopólio
Governo tem a exclusividade da importação de alimentos que têm preços regulados, remédios e insumos médicos

Negativa
Nicolás Maduro não aceita a abertura de um canal humanitário e não permite ajuda de nenhum país

Apreensões
Agentes fiscais e militares aumentaram apreensões em portos e aeroportos

ALTERNATIVAS

Porta a Porta
Sites dos EUA oferecem alimentos e produtos de higiene com entrega direta na Venezuela; uma cesta básica similar à do governo, porém, é 55 vezes mais cara

Compra na fronteira
Cúcuta e Boa Vista oferecem produtos a preços mais altos que na Venezuela; porém não é possível entrar com grandes quantidades

Contrabando
Insumos são levados ou comprados na Colômbia e atravessam a fronteira clandestinamente; com reforço da segurança e das apreensões, alternativa torna-se mais usada e perigosa

Bagagem
Via usada principalmente pelos venezuelanos no exterior, está sujeita às apreensões ou à vista grossa dos agentes da alfândega

COMO AJUDAR

O Programa de Ajuda Humanitária à Venezuela, com sede na Flórida, permite doações em dinheiro pelo AmazonSmile e a compra de equipamentos para protestos (para saber mais, clique aqui ).


Endereço da página:

Links no texto: