Folha de S. Paulo


Ataque contra show em Manchester põe Líbia no mapa do terror

O ruído da explosão de segunda-feira (22) em Manchester, em que 22 pessoas foram mortas, pode –ou deveria– ter servido de alerta à comunidade internacional.

A narrativa dos últimos anos aponta para a redução do território da facção terrorista Estado Islâmico na Síria e no Iraque, suas principais fortalezas. É uma história contada em tom de vitória, enquanto serviços secretos monitoram militantes europeus que dali retornam, vistos como ameaça em potencial.

Mas o recente atentado lembra os analistas de que há perigo em um terceiro país, ignorado entre tantas crises simultâneas: a Líbia.

O homem-bomba de Manchester, Salman Ramadan Abedi, era filho de líbios. Ele teria visitado o país pouco antes de se explodir e possivelmente recebeu treinamento ali, uma questão central para as investigações britânicas.

Seu pai e um de seus irmãos foram presos em Trípoli por uma milícia ligada ao governo. O irmão confessou, em interrogatório, fazer parte do EI –que reivindicou o ataque em Manchester.

Esse pode ter sido, portanto, o primeiro ataque internacional do Estado Islâmico planejado em território líbio, como notou em um artigo recente o especialista Aaron Zelin, uma das principais referências nos estudos do terrorismo. Zelin é o autor do influente blog Jihadology.

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GADDAFI

Militantes viajaram à Líbia já em 2011 quando uma insurgência buscou, com sucesso, derrubar o então ditador Muammar Gaddafi. Ele foi capturado, arrastado pelo deserto e morto em outubro. Seu corpo pútrido foi exposto em um frigorífico.

Esses guerreiros, alguns deles vindos da Europa, se uniram em um primeiro momento à rede Al Qaeda, escreve Zelin. Em seguida, foram às fileiras do Estado Islâmico, que estabeleceu ali uma de suas grandes bases.

A Líbia era, à época, um importante território para facções radicais. O mercado negro negociava a abundância de armas disponíveis em um país pós-ditadura, sem ter um governo central forte.

O Estado Islâmico se consolidou na Líbia pouco após declarar seu califado islâmico na Síria e no Iraque, enviando militantes ao país.

Como naqueles dois países, a organização se beneficiou do caos político. O governo é hoje disputado entre duas facções, uma em Tobruk e a outra em Trípoli.

Zelin estima que 2.000 estrangeiros se uniram ao Estado Islâmico na Líbia, a metade deles vinda da Tunísia. Segundo o "Financial Times", ao menos 16 jovens saíram do bairro do homem-bomba Abedi em Manchester para lutar com o EI na Líbia.

"É bastante menor do que os 40 mil militantes estrangeiros na Síria, mas é ainda assim a quarta maior mobilização de estrangeiros na história do jihad global, eclipsado apenas pela guerra Síria, pelo jihad afegão e pela guerra no Iraque", escreveu.

A situação é preocupante porque o Estado Islâmico perdeu em 2016 suas posições na cidade líbia de Sirte, o que significa que esses guerreiros podem ter começado a retornar a seus países de origem, onde podem realizar ataques.

Na sexta (26), o Egito bombardeou posições de extremistas na Líbia após atiradores matarem 29 cristãos coptas. O EI reivindicou o ataque.

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Disputa de poder na LíbiaEstado Islâmico e milícias locais brigam por território no país

LÍBIA FRATURADA
País por onde passou homem-bomba de Londres enfrenta disputa pelo poder

RAIO-X
População: 6,8 milhões de hab. (equivalente ao Maranhão)
Área: 1,8 milhão de km2 (o dobro de MT)
PIB: -3,3% (2016)

DISPUTA
Quem disputa o poder no país pós-Gaddafi

— Trípoli
É a base do Governo de Acordo Nacional, conhecido pela sigla GNA. Essa entidade foi formada com o apoio da ONU no início de 2016. Fayez al-Sarraj, um arquiteto, é o primeiro-ministro. Boa parte da comunidade internacional, incluindo os EUA, apoiam esta força, assim como diversas milícias.

— Tobruk
O Exército Nacional Líbio, liderado pelo general Khalifa Haftar, chefia Tobruk e a região leste do país. Seu poder é baseado na promessa de combater o terrorismo com vigor. Haftar havia servido com Gaddafi mas, em seguida, participou de um complô para derrubá-lo e participou da insurgência de 2011. O governo de Tobruk controla regiões de importante produção de petróleo.

— Estado Islâmico
A facção radical foi engordada pelos militantes estrangeiros que estavam na Líbia para a derrubada de Gaddafi. A organização era liderada pelo iraquiano Abu Nabil, morto em um ataque aéreo americano em 2015. Há dúvidas sobre quem é a cabeça da milícia hoje, possivelmente um homem chamado Abdul Qadr al-Nadji.

— Ansar al-Sharia
Organização terrorista formada em 2012 pela mescla de diversas milícias de menor porte. Há laços com a rede Al Qaeda – negados pelo próprio grupo – e diversos de seus membros viajaram à Síria, ao Iraque e ao Mali. Sua base é Benghazi.

Fontes: CIA World Fact Book, agências de notícias, "Newsweek"


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