Folha de S. Paulo


Sinais de radicalização do terrorista de Manchester surgiram há um ano

Pessoas que conheciam Salman Abedi ficaram chocadas ao descobrir que ele é o homem visto como responsável por um atentado suicida em um show em Manchester esta semana, causando 22 mortes.

Mas já havia sinais de que ele era problemático –e Salman não era a única pessoa de sua família a causar preocupações, disseram amigos de Abedi e autoridades britânicas na quarta-feira (24).

Hashem Abedi, 20, irmão de Salman, foi detido na Líbia na noite de terça-feira, de acordo com representantes do governo líbio que disseram que o jovem havia revelado seu envolvimento nos planos para o atentado em Manchester.

Representantes dos serviços de segurança britânicos e de outros países europeus disseram não acreditar que Salman Abedi, 22, tivesse capacidade de construir sozinho o aparato explosivo usado no atentado em Manchester, e se preocupam com a possibilidade de que a pessoa que montou a bomba esteja à solta.

Na comunidade de imigrantes líbios da região sul de Manchester, onde Salman Abedi vivia, ele era conhecido como um sujeito solitário que abandonou a universidade.

Abedi nasceu no Reino Unido, filho de um casal que fugiu da Líbia durante as quatro décadas de ditadura de Muammar Gaddafi e retornou ao seu país de origem anos atrás, depois que o líder líbio foi morto.

Moradores da região descrevem Abedi como um jovem "desajeitado", e como figura "isolada e sombria", que não conversava com muita gente e viajava frequentemente entre o Reino Unido e a Líbia.

O pai de Abedi, Ramadan, pediu a dois de seus filhos que saíssem do Reino Unido e fossem para a Líbia, disse um amigo da família que conversou com Ramadan pela última vez na terça-feira.

"O pai disse que tinha medo de que algo de errado acontecesse se eles ficassem no Reino Unido", disse o amigo, que falou sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, por motivos de segurança. O amigo não descreveu a natureza das preocupações de Ramadan.

Mas disse que Salman e seu irmão Hashem haviam mudado depois que outro jovem –um rapaz de 18 anos, também de ascendência líbia e morador de Manchester– foi morto em uma cidade do norte da Inglaterra um ano atrás.

O adolescente em questão, Abdulwahab Hafidah, foi morto com uma facada no pescoço em um incidente que reportagens locais definiram como retaliação por ele ter ingressado no território de uma gangue rival.

"Isso se tornou grande motivo de raiva para os jovens da comunidade líbia. Salman e Hashem encararam o caso como um crime de ódio contra os muçulmanos. Eles viam Hafidah como mártir", disse o amigo da família. Hashem Abedi aparentemente conhecia Hafidah.

Membros da comunidade imigrante líbia reportaram às autoridades mais de um ano atrás que temiam que Salman Abedi estivesse se radicalizando cada vez mais, segundo dois amigos da família.

As autoridades de segurança britânica admitiram que tinham conhecimento de Abedi mas não o consideravam como grande risco de terrorismo.

Ramadan Abedi disse à agência de notícias Associated Press na manhã de quarta-feira que acreditava na inocência de seu filho. "Da última vez que falei com ele, tudo parecia normal", disse o pai em uma entrevista por telefone, da Líbia.

Ainda assim, Abedi e sua mulher confiscaram o passaporte do filho durante uma visita recente à Líbia, para onde os dois irmãos foram supostamente a fim de celebrar o mês sagrado muçulmano do Ramadã, disseram as autoridades líbias, com base no que Hashem Abedi teria declarado em seu depoimento.

A mãe dos jovens devolveu os documentos a eles cerca de uma semana atrás, quando Salman disse aos pais que queria viajar à Arábia Saudita para preparar uma peregrinação a Meca, de acordo com um amigo da família e um representante do governo líbio.

"Mas ele estava mentindo", disse Ahmed Dagdoug, porta-voz da Força Reda, uma organização líbia de combate ao terrorismo alinhada ao governo do país e reconhecida pelas Nações Unidas.

Em lugar de viajar à Arábia Saudita, Abedi voltou ao Reino Unido, onde é suspeito de ter executado o pior ataque terrorista em solo britânico desde os atentados de 2005 em Londres.

As autoridades se preocupam com a possibilidade de que Abedi seja parte de uma rede de terroristas, muitos dos quais continuam à solta.

"Abedi não parece inteligente o bastante para ter construído a bomba sozinho. É por isso que existem preocupações sobre a presença de um fabricante de bombas que aparentemente continua à solta", disse um funcionário de um serviço de segurança europeu, que pediu que seu nome não fosse revelado porque estava discutindo questões confidenciais.

Os investigadores ainda estão tentando determinar, além disso, se Abedi recebeu apoio de membros de sua família. As autoridades líbias detiveram Hashem Abedi, afirmando que ele estava informado com antecedência sobre o atentado de Manchester e que estava planejando um atentado em Trípoli.

ATAQUE EM MANCHESTEROnde explodiu o homem-bomba que deixou 22 mortos e dezenas de feridos

Seu pai, que nos últimos anos vem trabalhando para a polícia líbia, de acordo com um funcionário do governo daquele país, também foi detido na quarta-feira, ainda que os motivos para isso não estejam claros.

"Hashem ajudou Salman a preparar o ataque", disse Dagdoug. "Ele tinha a mesma ideologia do irmão".

Dagdoug disse que não sabia exatamente de que maneira Hashem ajudou o irmão. Mas Hashem disse aos policiais que o interrogaram que "sabíamos o que estávamos fazendo", informaram as autoridades líbias.

Salman Abedi parece ter deixado poucos traços de sua vida nas redes de mídia social, mas há indicações de que seu irmão mais novo pode ter se deixado atrair pelo extremismo.

Em 2014, Hashem brincou no Facebook sobre aderir a uma facção militante, comentando, sobre a foto de um jovem extremista britânico que havia viajado para a Síria a fim de combater na guerra civil daquele país, que "inshallah [se Deus quiser] iremos juntos".

O perfil de Hashem no Facebook revelava outros sinais de interesse pela organização terrorista Estado Islâmico, que reivindicou a responsabilidade pelo atentado em Manchester.

Ainda que as autoridades britânicas tenham solicitado que os integrantes da comunidade de Salman Abedi no sul de Manchester não falem com a mídia, pessoas que conheciam a família disseram na quarta-feira que Abedi era próximo de seus pais.

"Ele realmente gostava deles", disse Mohammad Fadi, 25, diante da mesquita em que a família Abedi costumava orar.

Salman Abedi nasceu em Manchester em 1994. Seu pai ocasionalmente liderava as orações na mesquita local, o Centro Islâmico de Manchester, e Ismail, seu irmão mais velho, trabalhava ocasionalmente como voluntário na mesquita. Ismail também foi detido pelas autoridades, depois do ataque.

Quando os pais voltaram à Líbia, alguns anos atrás, os filhos ficaram em Manchester.

Salman Abedi estudou por pouco tempo na Universidade Salford, em Manchester, mas abandonou o curso.

"Salman raramente era visto pelos outros alunos", disse Fadi.

Na mesquita frequentada pela família Abedi, ninguém falou em favor do ataque.

"Esse ato de covardia não tem lugar em nossa religião", disse Fawzi Haffar, um dos administradores da mesquita.

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Tradução de PAULO MIGLIACCI


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