Folha de S. Paulo


Canadá prevê lucrar US$ 16 bilhões por ano com uso recreativo de maconha

No palco, palestrantes disparam frases de efeito e números altos. Na plateia, cada dado apresentado soa como música para ouvidos atentos, ávidos por boas notícias.

As oportunidades de negócio são apresentadas em todos os cantos, enquanto muita gente investe em novos contatos. A cena é típica de qualquer conferência de negócios, não fosse um detalhe: o principal produto aqui é a cannabis sativa. Maconha.

Jason Redmond - 20.abr.2017/Reuters
Manifestante carrega pé de maconha na marcha que pede a liberação da droga em Vancouver, Canadá
Manifestante carrega pé de maconha na marcha que pede a liberação da droga em Vancouver, Canadá

Desde que o governo de Justin Trudeau anunciou a intenção de legalizar a produção, comércio e consumo de maconha para fins recreativos no Canadá a partir de 2018, o interesse pelo tema disparou. Segundo estudo da consultoria Deloite, com bases em dados de 2016, se aprovada a legalização o faturamento do setor pode chegar a US$ 16 bilhões por ano.

Com números tão expressivos, todo mundo busca uma fatia desse mercado. Essa foi a motivação do empresário Neill Dixon, organizador da primeira O'CannaBiz Conferência e Exposição.

"Quase 50 anos atrás, um premiê canadense chamado Trudeau nomeou uma comissão para pesquisar o uso recreativo de drogas", conta.

"A comissão Le Dain concluiu que o cultivo e posse de maconha para uso pessoal deveria ser descriminalizado. Depois de meio século de uma guerra contra a maconha que criminalizou milhões de cidadãos e desperdiçou bilhões de dólares, um novo Trudeau está prestes a tornar a legalização um fato".

PARCEIROS

Durante a conferência, no fim de abril, mais de cem expositores buscam parceiros e clientes. De fornecedores de embalagens a construtoras especializadas em estufas e ambientes climatizados, há oportunidades de negócio para todos os perfis e bolsos.

E se engana quem pensa que apenas fãs da maconha estão interessados. A administradora Michelle Woolf, por exemplo, comercializa um produto para remoção de odores de tabaco e cannabis.

"Tenho amigos que usam, e não suporto o cheiro. Vi nisso uma oportunidade. Alguns usuários não se importam, mas quem faz uso medicinal da erva não quer voltar ao escritório cheirando a maconha. Meu produto é antialérgico e voltado para esse público", explica Michelle.

Outros empreendedores são longevos. A Organigram é um dos 43 produtores de maconha autorizados no Canadá. Fundada em 2014, tem 75 empregados, produz em média cinco colheitas e fatura $12 milhões por ano com a cannabis para uso medicinal.

Segundo o gerente de Marketing, Nick Robertson, a empresa se prepara agora para entrar no mercado de maconha para uso recreativo. "Nossa empresa está pesquisando o mercado, identificando os nichos e se preparando para lançar novas marcas voltadas para o público de uso recreativo", diz Robertson, já emendando uma pergunta: "Como é no Brasil?".

Informado que o cultivo e consumo são proibidos, ele não esconde sua decepção. "Talvez o mundo devesse olhar para o que estamos fazendo aqui no Canadá. Conseguimos desenvolver uma indústria regulada, sofisticada, que gera riqueza e emprega muita gente. Melhor que jogar todas essas pessoas na ilegalidade", conclui.

A opinião é partilhada pela socióloga e pesquisadora do Programa de Estudos em Dependência da Universidade de Toronto Jenna Valleriani. "Estamos jogando essas pessoas nas mãos do mercado clandestino. Por que não garantir que tenham acesso a um produto de qualidade, testado, controlado, em um ambiente onde é possível garantir acesso à informação?"

A pesquisadora cita estudos que mostram que o álcool, e não a maconha, é a porta de entrada para drogas pesadas e afirma que um mercado regulado, com acesso a produtos com procedência comprovada, é questão de saúde pública. "A política de legalização da maconha proposta por Justin Trudeau vai fazer mais pela proteção dos jovens do que as proibições jamais fizeram", diz.

O Departamento de Polícia de Toronto, que nos últimos meses fechou uma série de dispensários que desrespeitaram a lei atual, não comenta a proposta. O Diretor de Comunicação Corporativa da Polícia de Toronto, Mark Pugash, porém, deixa claro que o usuário não é prioridade.

"Não estamos aqui para comentar a lei, mas para cumpri-la", diz. Pugash, contudo, concorda que a regulação pode enfraquecer as quadrilhas.

"Nossa prioridade é combater a produção, distribuição e comércio ilegal, que movimenta uma enorme quantia de dinheiro e invariavelmente abastece o crime organizado."


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