Folha de S. Paulo


Alvo de sanções, líder do Judiciário da Venezuela acusa EUA de interferência

O presidente do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, Maikel Moreno, disse nesta sexta-feira (19) que os EUA desejam "ferir a independência do Judiciário" com as sanções econômicas a ele e a mais sete magistrados.

O bloqueio dos ativos dos juízes em território americano foi anunciado na quinta (18). O Departamento do Tesouro atribuiu a decisão à interferência no Legislativo, dominado pela oposição.

Luis Robayo/AFP
Amigo coloca as mãos no caixão de José Francisco Guerrero, 15, morto ao passar por protesto opositor
Amigo coloca as mãos no caixão de José Francisco Guerrero, 15, morto ao passar por protesto opositor

Moreno declarou que os 32 integrantes do TSJ só devem satisfações ao cumprimento da Constituição. Nos últimos anos, a maioria das decisões dos magistrados beneficiam o presidente Nicolás Maduro e prejudicam seus rivais.

"Velamos, sem imposições de qualquer natureza, pelos direitos irrenunciáveis da nossa nação, por manter incólume a independência, a liberdade, a soberania, a imunidade, a integridade territorial e a autodeterminação nacional", afirmou.

"O governo dos EUA tenta coagir e intimidar a consciência dos magistrados do máximo órgão judicial do país para assim impor uma agenda à margem das leis e do processo democrático."

Para Moreno, a Casa Branca tem "uma ação de ingerência, provocadora do ódio e da hostilidade" contra o país e viola o princípio da soberania —mesma acusação feita pelo Executivo a Washington.

As declarações foram feitas horas antes de a Chancelaria venezuelana divulgar um comunicado dizendo que Donald Trump "ultrapassou todos os limites" ao dizer que a situação do país caribenho "é uma desgraça".

Na nota, o governo de Maduro exige que o americano "interrompa de imediato o financiamento ilegal, através de suas agências, a fatores extremistas da oposição venezuelana".

Desde o início dos protestos da oposição, chavista afirma que é vítima de um golpe articulado por seus adversários, financiado pelos Estados Unidos e apoiado por países latinos críticos a seu governo, como Argentina e Brasil.

PARCIALIDADE

Além de Maikel Moreno, foram alvo das sanções os sete juízes da Sala Constitucional. O colegiado derruba todas as decisões da Assembleia Nacional desde que a oposição domina a Casa.

Antes que os rivais do chavismo tomassem posse do Parlamento, em janeiro de 2016, a bancada governista trocou 13 juízes do TSJ, o que manteve o domínio de Nicolás Maduro na corte.

Os oito alvos das sanções têm relações próximas com o governo. Maikel Moreno é amigo de Maduro e foi cônsul em Roma na época em que o hoje presidente era chanceler (2006-2013). No ano seguinte à posse do mandatário, foi indicado ao TSJ.

Próxima da família de Hugo Chávez (1954-2013), Gladys Gutiérrez foi indicada sem os requisitos legais de 15 anos de experiência jurídica. Ainda há casos de vice-ministros, deputados e militares.

A série de decisões do Tribunal Supremo de Justiça contra a Assembleia Nacional começou em 11 de janeiro de 2016, seis dias depois do início da nova legislatura.

A corte declarou o Parlamento em desacato por empossar três deputados impugnados por fraude. A sentença anulou todas as decisões do Legislativo desde então, e permitiu que Maduro executasse medidas que precisariam de aval parlamentar.

Em outubro os juízes dariam outro golpe na oposição ao anular parte da coleta de assinaturas para o referendo que poderia revogar o mandato de Maduro, o que inviabilizou a consulta popular.

Também foi o tribunal que decidiu no final de março pelo fim da imunidade parlamentar e por tomar oficialmente as atribuições do Legislativo. As sentenças foram revertidas em 1º de abril.

As decisões foram o estopim para a onda de protestos contra Maduro, que deixaram 48 mortos em 50 dias. A corte também deu aval à Constituinte convocada pelo presidente em maio e considerada um golpe pela oposição.

Nesta sexta, o ministro Elías Jaua, designado por Maduro para o processo da Constituinte, recebeu os dirigentes da Igreja Católica para explicar os motivos pelos quais o governo desatou a troca da lei máxima.

Na saída do encontro, o presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, Diego Padrón, disse que a Venezuela não precisa da Constituinte. "O que precisa e pede é comida, remédios, segurança, paz e eleições justas".


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