Folha de S. Paulo


Repressão se torna uma marca no Egito sob governo do presidente Sisi

Silva Freire/Folhapress
Turistas caminham no bazar Khan al Khalili, do século 14, no Cairo (Egito); alta da inflação reduziu poder de compra no país
Bazar Khan al Khalili, do século 14, no Cairo (Egito); alta da inflação reduziu poder de compra no país

As flores vermelhas que enfeitam o grande canteiro central da praça Tahrir, no centro do Cairo, são molhadas e aparadas cuidadosamente por uma equipe de jardineiros todos os dias. No entorno dela, soldados armados com fuzis e agentes de segurança à paisana mantêm o trânsito fluindo bem nas caóticas e entupidas ruas da capital egípcia. No seu centro, uma imensa bandeira do Egito agora tremula constantemente com o vento que sopra do rio Nilo, a poucos metros de distância.

Símbolo máximo da onda de revoluções que derrubou ditadores no norte da África, hoje a praça pouco lembra os conturbados dias de janeiro e fevereiro de 2011. Não há um cartaz, uma foto, nada. Até mesmo os ambulantes que vendiam camisas e quinquilharias em alusão aos protestos desapareceram. Sob o risco de engordar as estatísticas que já contam com mais de 40 mil presos políticos, os egípcios foram obrigados a esquecer o que se passou na Tahrir.

Foi ali que centenas de milhares de pessoas, em especial os jovens egípcios, conseguiram dar fim à ditadura de Hosni Mubarak e, acreditavam eles, iniciar, enfim, um período de democracia e liberdade no Egito.

"O 25 de janeiro -data do início da revolução e símbolo do movimento- foi apagado de nossa história", diz Ahmed Mahtab, jovem estudante de teologia que abandonou a vida religiosa em 2011 para se juntar aos protestos.

"Se você caminhar com uma camisa lembrando a revolução, como fazíamos antes, em menos de cinco minutos você será preso, eu lhe garanto", afirma, revelando ter sido detido ao menos cinco vezes desde o ano passado.

Desde que chegou ao poder em um golpe de Estado sangrento em 2013, o presidente do Egito e ex-chefe da segurança do Exército, Abdel Fattah al-Sisi, tem controlado o país de forma repressiva.

Além de colocar na cadeia praticamente todas as lideranças da Irmandade Muçulmana, o movimento político religioso que elegeu Mohammed Mursi como presidente após a queda de Mubarak, Sisi também atacou de forma brutal toda e qualquer oposição ao seu governo. Incluindo os jovens que lideraram o movimento revolucionário de 2011.

Boa parte dos líderes daqueles dias que eram vistos pelo Ocidente como representantes de uma geração que despertava para a democracia está presa ou é monitorada de forma absolutamente rígida.

Editoria de Arte/Folhapress
Raio-x Egito

Ahmed Mahel, que após a queda do ditador passou boa parte dos anos de 2011 e 2012 dando palestras pela Europa e Estados Unidos e teve seu movimento cotado para ganhar o Nobel da Paz, está em prisão semiaberta. Todos os dias precisa chegar até as 18h a uma estação policial, onde dorme toda noite.

"As coisas estão muito, muito piores do que nos últimos anos do governo de Mubarak. Em 2011 havia apenas entre 5.000 e 10 mil presos políticos, hoje já se fala em mais de 50 mil", diz Moustafa Fouad, diretor-executivo da ONG Centro Helipolies de Desenvolvimento Político e dos Direitos Humanos.

"Sisi se transformou em um ditador 'de facto', não há liberdade de expressão e todos que se opõem ao seu poder enfrentam ou a prisão ou a morte", diz ele. "O resultado da revolução foi desastroso para o Egito, tanto política como economicamente."

Desde o ano passado, Sisi aprovou uma lei proibindo que ONGs como a de Fouad recebam recursos externos, impedindo que muitas delas permaneçam atuando.

O Egito enfrenta ainda uma grave crise econômica, que obrigou o governo a ceder às pressões do FMI (Fundo Monetário Internacional) para receber apoio financeiro e implementar uma série de medidas econômicas duras.

Desde o final do ano passado Sisi cortou os subsídios de eletricidade e combustível, implementou novos tributos e desvalorizou a libra egípcia. Em pouco menos de seis meses a moeda perdeu mais de 50% de seu valor e a inflação disparou para quase 30% no acumulado dos 12 meses. Com um deficit de 12% do PIB e uma dívida pública de 101% do Produto Interno Bruto, Sisi afirmou serem inevitáveis as medidas.

Os números macroeconômicos de fato começam a apresentar melhora, com o aumento da arrecadação e o sucesso na venda de títulos no mercado externo. Mas, para o egípcio comum, a situação está cada vez mais difícil.

"Meu salário caiu pela metade em menos de seis meses com a inflação e os novos impostos, com o que ganho mal consigo comer", conta a psicóloga Salma Boutros, uma típica representante da classe média egípcia que participou dos protestos de 2011.

"É muito triste parar e pensar que eu acho que foi tudo um grande erro. Nós erramos, não tínhamos nada a oferecer a não ser a força para gritar. Hoje eu sinceramente gostaria de que a revolução não tivesse acontecido e que Mubarak ainda estivesse no poder", conta ela, sentada em um café a poucos metros da nova e colorida praça Tahrir.


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