Folha de S. Paulo


Antes de demissão, Trump pediu lealdade ao chefe do FBI, que relutou

Joshua Roberts/Reuters
James Comey (FBI) em audiência no Comitê de Inteligência da Câmara, em Washington, sobre a suposta intromissão russa nas eleições
James Comey (FBI) em audiência no Senado

Apenas sete dias após Donald Trump assumir a Presidência dos Estados Unidos, contou James Comey a colegas, o diretor do FBI (polícia federal americana) norte-americano foi convocado à Casa Branca para um jantar privativo com o novo comandante em chefe.

A conversa naquela noite de janeiro, Comey acredita agora, prenunciou sua demissão do comando do FBI esta semana, de acordo com duas pessoas a quem ele contou o que foi conversado no jantar.

Enquanto comiam, o presidente e Comey bateram papo sobre a campanha eleitoral e o público que costumava comparecer aos comícios de Trump. O presidente em seguida encaminhou a conversação a um pedido de que Comey lhe prometesse lealdade.

Comey se recusou a assumir o compromisso solicitado. Em lugar disso, de acordo com o relato que fez a pessoas chegadas, Comey disse a Trump que seria sempre honesto com ele, mas que o presidente não deveria vê-lo como "confiável" no sentido político convencional.

A Casa Branca nega que essa narrativa seja correta. E Trump, em entrevista na quinta-feira (11) à emissora NBC, descreveu uma conversa muito diferente no jantar com Comey, afirmando que a reunião havia acontecido a pedido do diretor do FBI e que a questão da lealdade jamais havia sido mencionada. Não estava claro se o presidente estava falando sobre a mesma refeição que Comey descreveu, mas ao que se sabe os dois só jantaram juntos uma vez.

De acordo com Comey, disseram as pessoas próximas a ele, sua resposta ao pedido inicial do presidente não satisfez Trump. Mais tarde durante o jantar, o presidente voltou a dizer a Comey que precisava de sua lealdade.

Comey uma vez mais respondeu que podia prometer "honestidade", e não prometeu lealdade, de acordo com o relato que ele fez sobre a conversa. Mas Trump o pressionou para saber se seria uma "lealdade honesta".

"O senhor pode contar com isso", teria respondido Comey, segundo o relato que fez da conversa a colegas.

Ao longo de sua carreira, Trump fez da lealdade das pessoas que trabalham para ele uma grande prioridade, e em muitos casos demitiu subordinados que considerava insuficientemente confiáveis.

Na forma pela qual foi descrito pelas duas fontes, o jantar oferece um vislumbre da abordagem de Trump quanto à Presidência, pelo menos de acordo com as observações de Comey.

O empresário e apresentador de reality show jamais havia ocupado um cargo público. É possível que Trump não tenha entendido que, por tradição, os diretores do FBI não podem ser aliados políticos do presidente, o que explica a aprovação pelo Congresso, nos anos 1970, de uma lei que lhes conferiu mandatos de 10 anos, com o objetivo de torná-los independentes do presidente.

Comey descreveu os detalhes de sua recusa de prometer lealdade a Trump a diversas pessoas próximas a ele, sob a condição de não falassem sobre o assunto publicamente enquanto ele fosse diretor do FBI. Mas agora que ele foi demitido, as fontes se sentiram livres para discutir a questão, solicitando que seus nomes não fossem revelados.

Uma porta-voz da Casa Branca contestou na quinta-feira a descrição das pessoas próximas a ele a Comey sobre o jantar.

"Não acreditamos que esse seja um relato preciso", disse Sarah Huckabee Sanders, secretária de imprensa interina da Casa Branca. "A integridade de nossas agências policiais e de sua liderança é extremamente importante para o presidente Trump. Ele nem mesmo mencionaria expectativas de lealdade pessoal, apenas de lealdade ao nosso país e ao seu grande povo."

No jantar descrito por Trump em sua entrevista à NBC, a conversa com Comey foi muito diferente. Trump disse à NBC que Comey havia pedido o encontro, com o objetivo de manter o emprego.

Trump disse ter perguntado ao diretor do FBI se estava sob investigação, uma pergunta que especialistas em questões legais consideram altamente incomum, se não imprópria. De acordo com o relato de Trump, Comey lhe garantiu que não havia investigação sobre ele.

Trump não disse se havia pedido lealdade a Comey. Perguntada, no briefing diário a jornalistas na Casa Branca, quarta-feira, se a lealdade seria um fator na seleção de um novo diretor para o FBI, Sanders disse que Trump queria alguém "leal ao sistema judiciário".

O jantar descrito pelas pessoas próximas a Comey aconteceu nos primeiros dias do governo de Trump, quando o FBI estava investigando a interferência russa na eleição e possíveis conexões entre essa interferência e a campanha de Trump. A investigação avançou, de lá para cá, com a descoberta de novas pistas e provas pelos investigadores.

O primeiro encontro entre Trump e Comey aconteceu em janeiro, no período de transição, quando o diretor do FBI e os demais chefes dos serviços de informações norte-americanos apresentaram provas sobre a interferência russa na eleição ao presidente eleito.

Comey também foi encarregado por seus colegas dos serviços de informações de informar Trump privativamente sobre um dossiê secreto que sugeria que os russos talvez tivessem recolhido informações comprometedoras sobre ele.

O jantar no qual a conversa relatada por Comey aconteceu foi em 27 de janeiro, quase um mês depois do primeiro encontro entre ele e o presidente. A rede CNN reportou na quinta-feira que Comey jamais garantiu lealdade ao presidente.

As pessoas próximas a Comey dizem que o presidente marcou o jantar descrito pelo ex-diretor do FBI, e disseram que Comey relutou em comparecer porque não queria ser visto como muito amistoso para com o presidente, especialmente em meio à investigação sobre a interferência russa na eleição. Mas Comey decidiu ir, porque não acreditava que fosse possível recusar uma reunião com o novo presidente.

Durante o jantar, de acordo com o relato das duas pessoas próximas a ele, Comey tentou explicar a Trump como via seu papel no comando do FBI. Comey disse ao presidente que o país seria mais bem servido por um FBI e Departamento da Justiça independentes.

Ao anunciar a demissão de Comey, na terça-feira, a Casa Branca divulgou documentos do secretário e do secretário assistente da Justiça que delineavam as razões para que Comey devesse ser demitido.

Trump declarou em sua entrevista à NBC que "independentemente de recomendação, eu havia decidido demitir Comey".

"Na verdade, quando decidi fazê-lo, disse para mim mesmo que, você sabe, essa coisa da Rússia, com Trump e a Rússia, é uma história inventada", Trump afirmou.

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Tradução de PAULO MIGLIACCI


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