Folha de S. Paulo


Muralha de Trump enfrenta obstáculos no Texas

Um dos principais obstáculos à muralha de fronteira do presidente Donald Trump começa no extenso quintal de Aleida Garcia.

Ela e o marido construíram um pequeno parque, em seus 12 hectares de terras, e desfrutam de uma vista panorâmica do rio Grande. Os dois dizem que resistirão ferozmente a qualquer esforço do governo federal para desapropriar suas terras, dando prosseguimento a uma luta iniciada 10 anos atrás.

Nicholas Kamm/AFP
Presidente Donald Trump mostra decreto quer autoriza construção do muro na fronteira
Presidente Donald Trump mostra decreto quer autoriza construção do muro na fronteira

E não são os únicos. Mais de 90 processos judiciais envolvendo proprietários que se opõem à desapropriação de suas terras pelo governo federal estão em curso desde 2008, no sul do Estado do Texas. Os proprietários de terras contam com o apoio de muitos políticos texanos, em uma área na qual a propriedade de terra tem ressonância quase mística, e a oposição deles á muralha na fronteira pode causar anos de atraso em qualquer construção, enquanto os processos correm no sistema judiciário.

Trump e John Kelly o secretário de Segurança Interna norte-americano, disseram que seriam capazes de construir a muralha em 24 meses, ainda que o Congresso não tenha incluído verbas para isso em seu mais recente projeto de lei de custeio de despesas. Novas contestações judiciais, além das já existentes, tornam altamente improvável que o cronograma possa ser cumprido.

A estratégia dos proprietários de terras é clara: usar os tribunais para bloquear a construção e tentar sobreviver ao mandato de Trump.

De fato, as pessoas mais próxima àquilo que costuma ser descrito como "os perigos da imigração" talvez venham oferecendo a oposição mais forte aos planos do presidente. Elas estão perfeitamente cientes de que suas terras se tornaram um ponto de passagem importante para contrabandistas e traficantes de drogas, e algumas delas foram vítimas de crimes. Mas acreditam que a fronteira já é pesadamente patrulhada, por aeronaves de pilotagem remota (drones), agentes federais e autoridades locais, e afirmam que a muralha teria principalmente valor simbólico, e as privaria de suas terras.

Embora Trump tenha feito da muralha uma das peças centrais de sua campanha presidencial, o conceito não é novo. Em 2006, por insistência do Congresso, o presidente George W. Bush assinou a Lei da Cerca de Segurança, que determinava a construção de estruturas físicas para impedir a travessia ilegal da fronteira por pessoas e veículos. Cerca de 1,1 mil quilômetros de muros e cercas foram construídos, principalmente em terras federais na Califórnia e Arizona.

Mas o governo desapropriou muito pouca terra no Texas, que tem 2017 quilômetros de fronteira com o México, ao longo da qual as terras em geral são propriedade privada.

"Aqui no Texas, levamos muito a sério o conceito de propriedade privada", disse o deputado federal Henry Cuellar, democrata cujo distrito eleitoral abarca quase 480 quilômetros de fronteira com o México. "Temos orgulho de nossa terra, que em muitos casos está nas mãos das mesmas famílias há diversas gerações. E os texanos se defendem, quando o governo federal tenta tirar o que nos pertence".

O caso de Garcia demonstra o quanto pode ser difícil desapropriar terrenos privados. Quase uma década atrás, representantes do Departamento de Segurança Interna (DSI) tentaram desapropriar parte das terras de Garcia para a construção da muralha de fronteira. Ela recorreu à Justiça para evitar a desapropriação, e este ano o governo decidiu que não precisava de sua propriedade, afinal.

Mas agora Garcia acha que Trump pode uma vez mais colocar em perigo as suas terras. "Estamos esperando e observando, agora que eles começaram a falar de novo sobre a construção de uma muralha", ela disse.

A muralha proposta por Trump se estenderia por um longo trecho do vale do rio Grande. Em março, o DSI abriu concorrência para a construção de uma muralha "fisicamente imponente" na fronteira com o México. Mais de 100 prestadores de serviços apresentaram propostas, e representantes do departamento disseram que os vencedores podem começar a ser anunciados já na semana que vem. A construção de diversos protótipos para a muralha deve ser iniciada em San Diego depois da metade do ano.

Além disso, Trump quer contratar 20 advogados para obter terras no sudoeste dos Estados Unidos nas quais a muralha ou outras instalações de segurança possam ser construídas.

O vale do rio Grande é uma das mais movimentadas rotas de contrabando na fronteira mexicana com os Estados Unidos. No ano passado, agentes da patrulha de fronteira norte-americana confiscaram 148.182 quilos de maconha na área, um total inferior apenas ao confiscado no setor de Tucson. As autoridades também confiscaram 662 quilos de cocaína, o maior total entre todos os setores de fronteira. Quase 187 mil pessoas foram detidas tentando atravessar a fronteira ilegalmente na região, em 2016, o maior total entre todos os setores da patrulha de fronteira.

Em documentos apresentados ao Congresso, a patrulha de fronteira identificou o vale do rio Grande como prioridade para novas cercas de fronteira.

Embora o governo tenha conseguido persuadir alguns proprietários a ceder terras para a construção de barreiras e muros, muitos dos demais resistiram, o que forçou o governo a recorrer à Justiça para defender o que os proprietários classificam como desapropriação injusta de suas terra. Mais de 300 casos de desapropriação chegaram aos tribunais, de acordo com o registro público, e o governo no total gastou US$ 78 milhões para adquirir terras nas quais hoje há cercas instaladas, de acordo com documentos do Congresso.

Efrén Olivares, advogado do Projeto de Direitos Civis do Texas, em Alamo, disse que o governo provavelmente enfrentaria oposição semelhante, caso voltasse a tentar construir uma muralha na área.

"O imenso volume de desapropriações que o governo terá de realizar causará atraso significativo", disse Olivares, cuja organização representa diversos proprietários de terras na região.

Para pessoas como Garcia, a decisão de combater a muralha envolve mais que dinheiro. As terras em que ela vive pertencem à sua família desde o final do século 18. A muralha, ela disse, dividiria o pequeno parque que construiu, e cortaria o acesso ao rio.

"A patrulha de fronteira disse que haveria um portão na muralha para que mantivéssemos o acesso ao restante de nossa propriedade, mas quem gostaria de algo assim?", questionou Garcia.

Ela diz ter testemunhado contrabando de drogas e travessias ilegais da fronteira. Mas disse que o governo deveria elevar o efetivo da patrulha de fronteira e usar tecnologia de segurança mais efetiva na área, em lugar de construir uma muralha.

E além do obstáculo representado pelos processos judiciais, a geografia local também representa uma barreira, mais permanente.

O rio Grande tem um trajeto sinuoso em boa parte da área, e seu curso se alarga durante os períodos de chuva forte, inundando terras e causando erosão, o que complica a construção no local.
Além dos processos judiciais e da geografia, outro obstáculo à muralha é a oposição da bancada texana no Congresso federal.

O senador John Cornyn, republicano, questionou a efetividade de uma muralha na fronteira, e disse a repórteres que "não creio que seja possível resolver a segurança da fronteira com uma barreira física, porque as pessoas podem passar por cima, por baixo e através dela".

Outros foram ainda mais francos.

"É uma ideia muito, muito estúpida, e um desperdício do dinheiro dos contribuintes", disse o deputado Filemon Vela, democrata do Texas, cujo distrito eleitoral abarca um longo trecho da fronteira. "Não precisamos de uma muralha nos separando do México. O país é nosso aliado e um de nossos maiores parceiros comerciais".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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