Folha de S. Paulo


Análise

Macron revive esperança contra sentimento de declínio francês

Martin Bureau/Reuters
Emmanuel Macron (C), head of the political movement En Marche!, or Onwards!, and candidate for the 2017 presidential election, poses with children during a campaign visit in Sarcelles, near Paris, April 27, 2017. REUTERS/Martin Bureau/Pool ORG XMIT: PAR314
O candidato Emmanuel Macron (no centro), em corpo a corpo em Sarcelles, norte de Paris

Não por acaso, o segundo turno das presidenciais francesas opôs uma candidata da direita ultranacionalista com origens no regime fascista e pró-nazista de Vichy a um candidato que se apresenta como o herdeiro do consenso político dominante criado na França no pós-guerra.

Na realidade, a ideia do declínio francês remonta a 1940, quando a França foi vencida pela Alemanha nazista.

Graças a Charles de Gaulle, a França conseguiu preservar a sua integridade territorial e tomar assento entre as potências vencedoras.

Mas a língua francesa continuou a perder terreno diante do inglês nas relações internacionais, o império colonial se desmanchou, o dirigismo do Estado de bem-estar social entrou em crise, e a construção europeia, principal bandeira do país depois desde o fim da guerra colonial na Argélia (1962), travou. Já nos anos 1980, o Presidente socialista François Mitterrand diagnosticava a "sinistrose" que assolava o país.

Nesse contexto, o enfrentamento do Ministro das Relações Exteriores Dominique de Villepin com os EUA na ONU a respeito da invasão do Iraque em 2003 foi uma derrota tão incisiva quanto simbólica: o último suspiro da França idealizada por de Gaulle, como o principal contraponto ao mundo anglo-saxão no Ocidente.

Enquanto a França deixava-se levar por querelas programáticas e convulsões sociais, a Alemanha aproveitava a primeira década do século 21 para modernizar sua indústria de modo a enfrentar as transformações da zona do euro, a emergência da China e a globalização.

Desde a introdução do euro, em 2002, a Alemanha conheceu apenas uma alternância de partido no poder, enquanto a França está prestes a entrar na terceira. O ministro da Fazenda Wolfgang Schaüble conduz a economia alemã há sete anos; a duração do mandato do seu homólogo francês não ultrapassa, em média, os 18 meses.

Embora sintomático de todas as antigas potências imperiais, talvez seja na França onde o sentimento de declínio esteja mais impregnado na cultura nacional. Mas ao contrário dos EUA, uma promessa à Donald Trump de "tornar a França grande novamente" encontraria pouco apelo no eleitorado francês.

Entre filósofos, músicos, escritores e políticos, uma comunidade "declinista" se formou ao longo das últimas duas décadas. O seu maior expoente na literatura é, sem dúvida, o escritor Michel Houellebecq, que representa a França depressiva, que prefere ficar de roupão sem sair de casa a enfrentar o mundo.

A partir da próxima semana, será a vez de Emmanuel Macron, um jovem de 39 anos com o carisma de um gerente de banco de cidade pequena, tentar reviver o ideal de de Gaulle. A amplitude do seu apoio mostra que muitos ainda acreditam nessa possibilidade. No entanto a ameaça da chegada ao poder de Marine Le Pen e de um regresso aos tempos obscuros do fascismo será ainda mais forte no final do seu mandato.


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