Folha de S. Paulo


Assessora, Ivanka Trump vira maior confidente do pai na Casa Branca

Um mês antes de Donald Trump se eleger presidente, ele e seus assessores testemunharam um momento no qual sua filha não foi capaz de manter a fachada de cuidadosa calma que sempre ostenta.

Na Trump Tower, o candidato estava se preparando para um debate quando um assessor chegou correndo com a notícia de que o jornal "Washington Post" estava para publicar um artigo no qual afirmava que Trump havia se vangloriado de apalpar as partes íntimas de mulheres.

Nicholas Kamm - 1.mai.2017/AFP
A filha de Donald Trump e sua assessora, Ivanka, vai a feira de pequenas empresas em Washington
A filha de Donald Trump e sua assessora, Ivanka, vai a feira de pequenas empresas em Washington

Ivanka Trump se uniu ao grupo de pessoas que estavam esperando para assistir a um vídeo sobre o episódio, e o pai dela insistiu em que a maneira pela qual a declaração havia sido descrita não parecia o tipo de coisa que ele diria.

Quando a gravação enfim mostrou que ele estava errado, Trump reagiu de modo ranzinza. Ele concordou em dizer que lamentava o acontecido se alguém tivesse se ofendido. Assessores disseram que isso não seria suficiente.

Ivanka argumentou enfaticamente em favor de um pedido de desculpas claro, de acordo com diversas pessoas que estavam presentes durante a discussão sobre a crise, no escritório de Trump no 26º andar do edifício.

Criada em meio a um redemoinho de manchetes de tabloides, Ivanka amadureceu se retratando como uma pessoa composta, voltada à família. O marketing de sua linha de roupas incluía slogans sobre o poder da mulher, e ela estava escrevendo os últimos capítulos de um livro sobre o assunto.

A filha do então candidato expôs sua opinião, mas Trump se manteve irredutível. Os olhos de Ivanka se encheram de lágrimas, seu rosto ficou rubro, e ela saiu apressadamente da sala, muito frustrada.

Sete meses depois, ela é a principal confidente de seu pai na Casa Branca, uma assessora cujas funções não parecem ter parâmetros bem definidos, mas que a torna a mulher de posto mais elevado em uma equipe formada quase inteiramente por homens.

Os dois trocam ideias da manhã à noite, de acordo com assessores. Ainda que ela não tenha experiência de governo ou política pública, Ivanka planeja revisar alguns decretos antes que sejam assinados, de acordo com funcionários da Casa Branca. Ela se comunica com os membros do gabinete sobre os assuntos que a interessam. Reúne-se uma vez por semana com o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin.

Em entrevistas na semana passada, ela disse que sua intenção era funcionar como influência moderadora em um governo conduzido ao poder por sentimentos nacionalistas. Outros funcionários do governo informam que ela se pronunciou sobre assuntos como o clima, deportações e a política para refugiados.

Embora Ivanka tenha declarado que estava buscando exercer mais influência, ela reconheceu ser novata em Washington. "Ainda estou nos estágios iniciais de aprendizado sobre como tudo funciona", ela disse. "Mas já sei o suficiente para ser uma voz mais proativa na Casa Branca".

Ivanka Trump, 35, ex-modelo, se tornou empresária e incorporadora no ramo da hotelaria, e diz que seu foco será a desigualdade entre os gêneros, nos Estados Unidos e no exterior.

Ela pretende criar um programa federal de licença-maternidade paga, quer reduzir os gastos das famílias com a criação de seus filhos e pretende criar um fundo mundial de apoio às mulheres empreendedoras, entre outros esforços.

Seu interesse pelas questões de gênero surgiu do hashtag "women who work" [mulheres que trabalham], que ela usou em uma campanha de marketing desenvolvida anos atrás para ajudar a vender sapatos de US$ 99 e vestidos de US$ 150.

O livro de conselhos para a carreira das mulheres trabalhadoras no qual ela estava trabalhando durante a campanha eleitoral, também chamado "Women Who Work", foi lançado esta semana.

Ao decidir participar do intenso debate sobre a dinâmica de gêneros, ela está ocupando o espaço que ficou vazio quando o sonho de levar uma mulher à Presidência se frustrou, e também assumiu um papel no debate sobre a conduta de seu pai com relação às mulheres e sobre as opiniões do presidente quanto a elas.

Os críticos encaram seus esforços como mais um esforço de autopromoção característico dos Trump, vindo de uma mulher extraordinariamente privilegiada que aprendeu que o feminismo pode ser uma ótima ferramenta de marketing. (Ivanka Trump não está promovendo seu novo livro, por motivos éticos.)

Em duas entrevistas na semana passada, Ivanka falou sobre desenvolver o potencial econômico das mulheres —em certos momentos usando frases muito parecidas com as de Hillary Clinton—, e se referiu entusiasticamente à inspiração que Eleanor Roosevelt desperta nela.

"Subitamente, depois que meu pai se declarou candidato, aconteceu que todas as coisas que eu fazia e pelas quais era elogiada passaram a ser vistas por uma lente diferente por aquelas pessoas, os críticos", ela disse.

"De alguma forma, as coisas pelas quais eles me aplaudiam como membro da geração milênio, como mulher empreendedora, passaram a ser vistas cinicamente, como sinais de oportunismo".

Algumas antigas funcionárias de Ivanka expressaram surpresa diante de suas novas áreas de interesse, afirmando que ela relutava em lhes conceder licença-maternidade.

Mas outros observadores a definem como melhor esperança de progresso nas questões de gênero, dentro do atual governo, e dizem que é encorajador ver a filha do presidente, e um membro importante da equipe da Casa Branca, defender licença-maternidade e licença-paternidade remuneradas.

"Espero que ela se torne uma grande defensora desse tipo de causa", disse Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, que está trabalhando com Ivanka quanto ao financiamento de projetos de empreendedoras.

Pessoas próximas a ela a qualificam como simpática aos interesses dos empresários, mas liberal em termos sociais. Ela mesma afirma não ter opiniões muito fortes sobre certas questões. (Na Casa Branca, ela costuma usar termos empresariais, por exemplo "plano de negócios", com tanta frequência quanto usa termos partidários ou políticos.)

Ivanka tem um talento que quase ninguém mais tem, dizem parentes e assessores. Ela consegue comunicar críticas a um homem que muitas vezes as recusa quando vêm de outras pessoas, e pode pedir ao presidente que mude de ideia.

"Sou filha dele. Conheço-o desde que nasci. Ele confia em mim", disse Ivanka. "Não tenho uma agenda oculta. Não estou interessada em atacá-lo para me beneficiar".

FILHA LEAL

No momento em que Ivanka Trump começou a trabalhar nos empreendimentos imobiliários da família, em 2005, o nome Trump estava começando a se tornar uma fonte de poder e oportunidade ainda maior, por conta do sucesso do reality show "O Aprendiz", estrelado por seu pai. Ivanka tinha posição importante no programa, e se pronunciava sobre as qualidades dos candidatos em reuniões de conselho.

A atenção que conquistou dessa maneira a ajudou a licenciar o uso de seu nome para diversas linhas de produtos: joias (2007), sapatos (2010), roupas (2010) e bolsas (2011) —todas elas promovidas durante o programa. Os negócios dela estavam estreitamente associados ao nome e à organização de seu pai, à qual Ivanka continuava a dedicar boa parte de seu tempo.

Mas conquistar espaço no mercado de massa representava um desafio. A vida privilegiada de Ivanka Trump parecia muito distante das vidas das mulheres que fazem compras na Macy's.

Por isso, no final de 2013, ela e o marido reuniram alguns funcionários de sua empresa diante de um quadro branco no apartamento deles em Nova York. "Fazendo Acontecer", de Sheryl Sandberg, havia acabado de chegar ao topo das listas de best sellers, e Ivanka Trump estava em busca de um slogan, chamativo e acessível.

A reunião produziu o slogan "women who work".

Mais tarde, Ivanka e as pessoas próximas a ela descreveriam o período imediatamente anterior ao anúncio da candidatura de seu pai como um dos mais produtivos na vida da empresária.

Ela havia conseguido atualizar a marca familiar, trocando a ostentação do passado por designs mais enxutos. Ivanka estava comandando pessoalmente o desenvolvimento de um hotel no antigo edifício do correio em Washington, um imóvel histórico. E a revista "Vogue" havia publicado um perfil sobre Ivanka que a descrevia como um exemplo de bom gosto e de sucesso para a geração milênio.

Mas o primeiro dia da campanha presidencial de seu pai já lhe causou problemas: as declarações dele sobre os estupradores mexicanos que atravessam a fronteira rumo aos Estados Unidos levaram dois famosos chefes de cozinha a abandonar o projeto de Ivanka no antigo edifício do correio.

PAPEL INÉDITO

Ivanka Trump ficou chocada com o calor e fúria da campanha. Antes, ela recebia cartas de admiradores que a definiam como exemplo. Depois, muitas das cartas que passou a receber eram hostis. "Tudo que era atribuído a ele passou, para os meus críticos, a ser atribuído a mim", disse.

Na semana passada, falando em seu escritório recentemente pintado na ala oeste da Casa Branca, ela alternava momentos enérgicos e defensivos, e ocasionalmente mostrava sinais de se sentir intimidada.

Nos bastidores, dizem assessores, ela parece frustrada e infeliz por abandonar sua vida em Nova York, mas está determinada a superar os obstáculos e fazer o melhor de uma passagem pela Casa Branca que ela jamais esperava.

"Há muita coisa que não sei sobre como o governo funciona, sobre como as coisas são feitas, mas agora sinto que sei o suficiente para ser muito mais proativa sobre o tipo de mudança e reforma que eu gostaria de ver acontecendo", disse Ivanka.

Desempenhar o papel de porta-voz das ideias centristas em um governo de direita seria um desafio para qualquer pessoa, mesmo um profissional da política.

Como acontece com o seu pai, o fato de Ivanka ser nova em Washington e sua preferência por negociações claras como as que acontecem nos negócios podem resultar em dolorosas colisões. Por enquanto, ela reconhece que tem muito a aprender e pede que o público tenha paciência.

"Acredito que, com o tempo, chegarei ao lugar certo", disse. "Em curto prazo, cometeremos erros e, em alguns casos, sofrerei ataques que poderia ter evitado se dissesse publicamente o que penso Estou realmente tentando aprender."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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