Folha de S. Paulo


Irmãos sírios relatam saga de família que atravessou 8 países em dois meses

Refugiados assistem a exposição de Mauricio Lima

"Quando terminávamos cada parte, dizíamos que era bom que estávamos vivos, que terminamos este passo e vamos para o próximo."

O sírio Farid Majid, 37, não esconde o otimismo ao narrar a saga empreendida por sua família para abandonar o país que há seis anos se esfacela em uma guerra civil que já matou mais de 400 mil e forçou 11,2 milhões a deixar suas casas –destes, 5 milhões se refugiaram em outros países, os Majid entre eles.

Durante quase dois meses, Farid e o irmão Ahmad, 32, lideraram parte da família na travessia de oito países até chegarem à Suécia, onde moram há um ano e meio.

Maurício Lima/The New York Times
Foto de Mauricio Lima que entra na exposição Maio Fotografria ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A família Majid e outros refugiados caminham sobre trilhos no interior da Sérvia

Os dois irmãos conversaram com a Folha em São Paulo, onde chegaram na terça (2) para visitar a exposição do fotógrafo brasileiro Maurício Lima, que retratou parte da saga dos Majid pela Europa em agosto e setembro de 2015. A dupla participa de um bate-papo nesta quinta (4), às 19h30, no MIS com Lima e a jornalista Anemona Hartocollis, que seguiu a jornada para o "New York Times".

"Não gostava da ideia de deixar a Síria no início, mas estávamos cercados por todas as milícias, pelo Estado Islâmico, viver lá estava sendo horrível, não aguentávamos mais", afirma Farid.

Ele e o irmão Ahmad mantinham uma pequena fábrica têxtil em Afrin (a 60 km ao norte de Aleppo), no norte da Síria. Para além do cenário de desintegração social, política e econômica que engolfou o país, um drama pessoal impulsionou os Majid.

A JORNADA Família passou por oito países até chegar à Suécia

"Concordamos em ir para a Turquia e depois para a Europa para tentar encontrar ajuda para o meu sobrinho", lembra. Aos 9, Nabih, filho de um terceiro irmão, foi diagnosticado com câncer. A família tentou conseguir tratamento do outro lado da fronteira, na Turquia, mas lá "os turcos eram mais bem tratados". A opção era o Velho Continente. "Nós iríamos primeiro e ajudaríamos eles a ir depois", conta Ahmad.

Entre os 14 membros do clã que enfrentaram a travessia estavam a mulher de Ahmad –grávida– e seus dois filhos, a mulher de Farid com os três filhos, a irmã do pequeno Nabih e primos.

"Queríamos ir para a Suécia porque ouvimos que o governo lá estava tratando as pessoas de uma forma boa."

O primeiro passo era deixar a Turquia rumo à Grécia. Um antigo empregado da fábrica colocou os Majid em contato com um coiote, que faria a travessia por barco pelo mar Egeu da costa turca até a ilha grega de Lesbos.

"Pagamos US$ 1.200 por pessoa, metade disso por cada criança", lembra Ahmad. Havia cerca de 70 pessoas no barco, segundo ele.

Os cerca de sete dias na Grécia, Macedônia e Sérvia tiveram em comum a pressa dos respectivos governos em permitir a passagem do fluxo de refugiados em busca de nações europeias mais abertas, como a Alemanha.

Enio Cesar/DOC Foto
Filho de Farid visita a exposição com fotos da jornada dos Majid no MIS, em São Paulo
Filho de Farid visita a exposição com fotos da jornada dos Majid no MIS, em São Paulo

No meio desse caminho, porém, estava a Hungria do premiê ultranacionalista Viktor Orbán, cujo governo adotou políticas anti-imigração.

"Foi pior do que o barco que pegamos da Turquia para a Grécia", afirma Ahmad sobre os cinco dias passados na estação de trem Keleti, em Budapeste. "Estávamos com medo, ouvíamos o tempo todo que os húngaros iam vir depois de um jogo de futebol para bater nos refugiados."

A possibilidade de ser fichado pela polícia era fonte de preocupação constante, relata ele. A tranquilidade veio com os ônibus organizados pelo governo para levar os refugiados na estação até Viena, na Áustria. De lá, seguiram para Munique.

A passagem pela Alemanha ocorreu sem sobressaltos. Mas ao chegar na primeira cidade dinamarquesa depois da fronteira alemã, uma surpresa: o governo decidira interromper a passagem.

Não demorou para a família arranjar uma alternativa: uma balsa que saía de Rostock, na costa norte alemã, rumo à sueca Trelleborg.

"Nós fugimos da morte na Síria, mas nos vimos diante dela várias vezes nessa viagem", pondera Farid. "Às vezes pensamos que não devíamos ter arriscado a vida das crianças e levado elas nessa viagem assustadora."

Mas, na Suécia, os Majid já constroem um lar. No país nórdico, a mulher de Ahmad, Jamila, deu à luz Farida. Lá, eles vivem há cerca de um ano e meio em Kristinehamm, cidade de 18 mil habitantes.

"Depois de alguns meses em um campo, nos deram uma casa. Agora as crianças estão na escola, estão nos tratando como se fôssemos cidadãos suecos", conta Ahmad, que diz ter planos de abrir um supermercado de produtos árabes ou uma padaria. "Mas precisamos aprender a língua primeiro."

E quem ficou na Síria? "Minha mãe e meu pai estavam na Turquia e voltaram para Afrin com meu irmão. Estamos tentando trazê-los", responde Farid. O pequeno Nabih não resistiu ao câncer. "Ele tem um lugar especial em nossos corações."

Voltar para o país onde nasceram ainda é uma opção sobre a mesa. "Espero que as coisas melhorem e possamos voltar", diz o irmão mais velho. "Porque o trabalho, a família, tudo está lá", completa o mais novo.


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