Folha de S. Paulo


Adaptada a imigrantes, escola encarna temor com eleição na França

"Nós estamos felizes em receber vocês, não temos medo de quem são." A frase poderia ser ouvida em uma igreja, mas faz parte das boas-vindas da primeira reunião de pais de uma creche pública de Bordeaux, no sudoeste francês.

Em um bairro com relativa afluência de imigrantes, das 56 famílias atendidas pela Souris Verte, 41 têm ao menos um dos pais estrangeiro.

Clarice Spitz/Folhapress
A ucraniana Daria Khrapac, que mora na França há dez anos, leva a filha, Anastassia, à creche
A ucraniana Daria Khrapac, que mora na França há dez anos, leva a filha, Anastassia, à creche

Na sala de reunião, estão algumas mães francesas que fazem parte da segunda geração de famílias no país. Outras vêm da África, do Leste Europeu, do Laos e mesmo da América do Sul. Alguns pais assentem com a cabeça ao ouvir o diretor Pascal Vernier, que completa o pensamento: "E essa mensagem é bem diferente daquela que vocês estão ouvindo por ai".

Uma das principais bandeiras da candidata Marine Le Pen na eleição é reduzir em dez vezes o saldo de imigrantes, para 10 mil pessoas.

Na educação, ela causou polêmica ao dizer que queria o fim da gratuidade nas escolas para filhos de ilegais e um prazo de "carência" para crianças cujos pais fossem imigrantes e não trabalhassem. No fim de semana, disse ter voltado atrás da restrição à escola para filhos de imigrantes.

Na França, a escola é obrigatória para todas as crianças de 6 a 16 anos. Hoje uma em cada dez pessoas nascidas no país tem um dos pais que veio de outro país. Quase metade desses descendentes tem menos de 25 anos. E entre esses, cerca de 60% são de origem africana.

ADAPTAÇÃO

Na pequena creche de Bordeaux, o cardápio do almoço, como o de boa parte das escolas públicas francesas, oferece uma alternativa ao porco.

Em feriados muçulmanos, a frequência cai à metade, pois as crianças costumam ficar em casa com as mães. Os eventos no final do calendário escolar são fixados para não coincidir com o Ramadã.

A Souris Verte faz parte da rede municipal, mas está ligada a um centro social que surgiu para auxiliar na reconstrução do pós-guerra.

Bordeaux é também o berço politico de Alain Juppé. O ex-primeiro-ministro foi o favorito a ocupar o Palácio do Eliseu até ser batido pelo conservador François Fillon nas primárias do partido Republicanos. Foi um dos primeiros da legenda a declarar o voto no centrista Emmanuel Macron no segundo turno.

Mas o exemplo da pequena creche de Bordeaux não é uma unanimidade no sistema educacional francês.

"Já ouvi queixas de mães (imigrantes) que, mesmo com diploma, disseram ter sido tratadas como pessoas ignorantes em outras creches", diz a diretora Béatrice Délavaud.

Na semana passada, o prefeito de Béziers, onde Marine Le Pen liderou a votação com 31%, foi condenado por incitação ao ódio e à discriminação após declarar: "Em uma sala de aula do centro da minha cidade, [há] 91% de crianças muçulmanas. Evidentemente isso é um problema".

Se as ideias de Le Pen chocam muitos, os planos de Macron para a pré-escola se restringem ao aumento de vagas em creches e à "mobilização" de mais jovens monitores. Já para a escola primária, ele propõe turmas menores em locais considerados sensíveis.

FAMÍLIAS

Entre temores e esperança, as mães da Souris Verte se posicionam. A florista ucraniana Daria Khrapach, mãe de Anastassia, vive na França há dez anos. Em sua casa, o marido naturalizado francês é o único que vota. E votará em branco. Daria diz que o desgosto com a política vem da situação econômica da família, que piorou no governo François Hollande.

O marido é marceneiro e foi obrigado a voltar a pagar impostos sobre horas extras trabalhadas. As despesas também aumentaram depois que a mãe e o irmão de Daria vieram morar com a família fugindo da guerra em Donetsk. Ambos esperam a concessão do asilo politico pelas autoridades francesas.

"A extrema-direita dá medo porque se preocupa demais com a imigração, mas eu entendo quando um francês que recebe o salário-mínimo se queixa de ter que pagar tantos impostos enquanto outros vivem de auxílios", afirma a ucraniana.

A polonesa Agnieszka Nowak-Houssou foi a Bordeaux para estudar e acabou ficando. Trocou as Ciências Sociais pelo trabalho em uma agência imobiliária. Casou-se com um francês e hoje é mãe da pequena Margot. Com dupla nacionalidade, diz que votará em Macron, mesmo que admita não conhecer a fundo o programa do candidato.

"O meu interesse é pelo personagem que ele encarna, o de um jovem quadro aberto ao mundo e fora do sistema, não pelas suas promessas", afirma.


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