Folha de S. Paulo


Maduro convoca 'assembleia cidadã' para nova Constituição na Venezuela

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, convocou nesta segunda-feira (1º) uma Assembleia Constituinte "popular" para redigir uma nova Constituição, cujos integrantes serão eleitos por setores da sociedade e não pelo voto universal.

"Convoco o poder constituinte original para alcançar a paz de que o país precisa, para derrotar o golpe fascista, uma Constituinte cidadã, não de partidos políticos. Uma Constituinte do povo", disse Maduro, diante de milhares de simpatizantes reunidos no centro de Caracas pelo 1º de Maio.

Carlos Becerra/AFP
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e sua mulher, Cilia Flores, em comício do 1º de Maio em Caracas
O presidente Nicolás Maduro e sua mulher, Cilia Flores, em comício do 1º de Maio em Caracas

O chavista assinou na noite desta segunda-feira o decreto que oficializa a convocação da Assembleia Constituinte, que contempla a eleição de 500 constituintes, uma parte por setores sociais que escolherão diretamente seus representantes e a outra parte por municípios.

"Será uma Constituinte eleita com voto direto do povo para eleger uns 500 constituintes: 200 ou 250 pela base da classe operária, as comunas, missões, os movimentos sociais." Maduro disse que os demais constituintes "vão ser eleitos em um sistema territorializado, com caráter municipal e local".

Maduro afirmou que a decisão se baseia nos artigos 347 e 349 da atual Constituição venezuelana, adotada em 1999, no primeiro ano do governo de Hugo Chávez (1954-2013). Os membros da Constituinte de 1999 foram eleitos mediante votação nacional e não por setores, como agora propõe Maduro, e pertenciam majoritariamente ao chavismo.

Segundo o artigo 347, "o povo da Venezuela é o depositário do poder constituinte original. No exercício do dito poder, pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição".

O artigo 349 afirma: "O Presidente ou Presidenta da República não poderá se opor à nova Constituição. Os poderes constituídos não poderão de forma alguma impedir as decisões da Assembleia Nacional Constituinte. Uma vez promulgada a nova Constituição, esta será publicada no Diário Oficial da República Bolivariana da Venezuela ou no Diário da Assembleia Nacional Constituinte".

'GOLPE'

O líder opositor Henrique Capriles escreveu em uma rede social que "frente à fraude constitucional de uma Constituinte que acaba de anunciar o ditador, povo às ruas para desobedecer semelhante loucura!".

O deputado Henry Ramos Allup, ex-presidente da Assembleia Nacional, disse que "segue o golpe de Estado continuado. O que Maduro convocou não é uma Constituinte, mas sim uma prostituinte".

A oposição já havia criticado neste domingo (30) a intenção do governo de chamar uma Constituinte. "Qualquer passo de convocar uma Constituinte comunal é parte do golpe de Estado de Maduro. Esta crise é agravada com essa convocação", disse Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional.

O cientista político Nicmer Evans, chavista porém opositor de Maduro, argumenta que a proposta de Constituinte representa "a morte do projeto" de Chávez. "Esta Constituinte madurista é uma traição clara a Chávez e ao povo."

A decisão ocorre em meio à maior onda de protestos desde 2014, que deixaram ao menos 29 mortos.

A crise política se acirrou no final de março quando o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) decidiu assumir as funções do Parlamento —controlado pela oposição—, gerando protestos locais e chamados internacionais para que o governo Maduro respeitasse a democracia.

O TSJ revogou a decisão, mas novos protestos se seguiram à decisão da Controladoria-Geral de cassar os direitos políticos de Capriles, governador do Estado de Miranda, por 15 anos.

A oposição tem insistido que continuará nas ruas até que sejam repostas todas as funções da Assembleia Nacional, que se convoquem eleições gerais, que se abra um canal humanitário que reduza a grave escassez de medicamentos e que se liberem centenas de presos políticos.

Maduro acusa os manifestantes de tentar derrubá-lo com a ajuda do governo dos Estados Unidos. Do outro lado, os líderes da oposição dizem que o governo chavista usa táticas repressivas e leva o país a uma ditadura.

Na semana passada, o governo Maduro anunciou que a Venezuela daria início ao processo de saída da OEA (Organização dos Estados Americanos), depois de a entidade chamar uma reunião para discutir a crise no país.

A Assembleia Nacional, de maioria opositora, abriu um processo para declarar a inconstitucionalidade da decisão de deixar a OEA.

Mesmo que a declaração seja aprovada, no entanto, ela não será aplicada porque o TSJ considera o Legislativo em desacato devido à incorporação de três deputados impugnados.


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