Folha de S. Paulo


Sem Trump, jantar de jornalistas adota tom crítico contra 'notícia falsa'

Cliff Owen/Associated Press
Jornalista Carl Bernstein, conhecido pelas revelações do caso Watergate, participou do jantar
Jornalista Carl Bernstein, conhecido pelas revelações do caso Watergate, participou do jantar

No primeiro jantar dos correspondentes da Casa Branca desde 1981 sem a presença do presidente, na noite deste sábado (29),os jornalistas adotaram tom crítico contra os ataques da administração de Donald Trump à imprensa nos Estados Unidos.

Trump foi o primeiro presidente a faltar ao evento em mais de três décadas. E mesmo Ronald Reagan, que não participou do jantar por estar se recuperando de uma tentativa de assassinato, fez seu discurso por telefone.

Na ausência do presidente, o jornalista Bob Woodward, que, junto com Carl Bernstein, ficou conhecido pela cobertura do caso Watergate que derrubou o presidente Richard Nixon, rebateu uma das frases mais usadas por Trump, "notícia falsa".

"Senhor Presidente, a imprensa não é 'notícia falsa' —vamos tirar isso da frente antes de prosseguirmos", afirmou. "Seja qual for o clima, se a imprensa for reverenciada ou vilanizada, nós deveríamos e devemos persistir —e nós acreditamos que vamos."

A declaração serviu para lembrar do objetivo do jantar, uma tradição que simboliza a relação cordial entre o presidente e a imprensa e também a primeira emenda americana, que garante direito à liberdade de expressão.

O presidente da associação dos correspondentes da Casa Branca, Jeff Mason, foi bastante aplaudido ao sustentar um discurso semelhante. "Nós não somos organizações de notícias falidas. E nós não somos o inimigo do povo americano."

Apesar da ausência neste ano, Trump não descartou participar da edição de 2018 do jantar dos correspondentes. "Eu iria no próximo ano, certamente", afirmou na semana passada em entrevista à agência Reuters.

PIADAS

No evento, o presidente americano costuma abrir o jantar fazendo graça de si mesmo, antes de passar a palavra a um comediante. Na falta do mandatário do país, coube a Hasan Minhaj, do "Daily Show", fazer piadas tendo Trump como alvo principal.

"O líder do nosso país não está aqui. Isso porque ele mora em Moscou [em referência ao presidente russo, Vladimir Putin]. É um voo longo...quanto ao outro cara [Trump], eu acho que ele está na Pensilvânia porque não aguenta uma piada", disse.

Em outra parte do jantar, o ator Alec Baldwin, conhecido por sua imitação do presidente americano e pela irritação que isso provoca no próprio Trump, apareceu em uma transmissão de vídeo ao vivo. "Continuem com o bom trabalho!".

Neste ano, o jantar ganhou um evento concorrente ("Não é o jantar dos correspondentes da Casa Branca", em tradução livre do inglês), comandado pela comediante Samantha Bee. O ator Will Ferrell apareceu imitando George W Bush. Bee doou US$ 200 mil para o comitê de proteção a jornalistas.

HISTÓRICO

O jantar anual foi realizado pela primeira vez em 1921, mas só em 1924 que um presidente, Calvin Coolidge, compareceu ao evento.

Desde então, apenas um presidente -Jimmy Carter- não participou da celebração, segundo o "Washington Post". Em 1978, o democrata justificou cansaço e não compareceu.

Três anos depois, o republicano Ronald Reagan fez seu discurso por telefone por estar na residência de Camp David se recuperando de uma tentativa de assassinato -ele havia sido atingido por um tiro ao sair do Washington Hilton Hotel em 30 de março de 1981.

O jantar dos correspondentes, um evento de gala, reúne políticos, jornalistas e celebridades. O discurso do presidente no evento é geralmente descontraído, e Barack Obama adotou um tom ainda mais informal, com um repertório recheado de piadas.

Em 2011, inclusive, um dos alvos foi Trump, que estava na plateia. Na época, o empresário questionava se Obama era mesmo americano. O presidente, que havia divulgado a certidão de nascimento na semana do evento, ironizou: "Agora que está esclarecido, ele pode voltar ao que realmente importa: nós forjamos a viagem à lua?".


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