Folha de S. Paulo


Venezuela viola regras em prisões de opositores a Maduro, diz ONG

O descumprimento de ordens de soltura, o isolamento na cadeia, os flagrantes forjados, as detenções por tempo indefinido e a falta de independência judicial permitem qualificar como arbitrárias as prisões de opositores na Venezuela, afirma a ONG Anistia Internacional.

O relatório sobre as condições dos presos, apresentado nesta quarta-feira (26), é revelado na quarta semana de protestos contra e a favor do presidente Nicolás Maduro, que já deixaram 26 mortos e quase 1.300 encarcerados.

Federico Parra - 24.abr.2017/AFP
Policiais prendem manifestante em protesto contra Nicolás Maduro em Caracas na segunda-feira (24)
Policiais prendem manifestante em protesto contra Nicolás Maduro em Caracas na segunda-feira (24)

A entidade cita casos de manifestantes, dirigentes da oposição e policiais em que as autoridades não cumpriram o devido processo legal. Segundo o informe, há 16 pessoas presas com ordens de libertação determinadas.

É o caso de Yon Goicoechea, dirigente do partido Vontade Popular (direita), preso em agosto, segundo o governo, por armar bombas para um protesto. O Ministério Público declarou em outubro que ele deveria ser solto por falta de provas.

Porém, o opositor foi isolado em uma cadeia do Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, espécie de polícia política) e não pode receber visitas dos advogados e da família desde setembro.

"A manutenção de pessoas detidas é um sinal inequívoco e altamente preocupante da detenção arbitrária do Sebin em casos com algum componente político", diz o relatório, que compara o isolamento à tortura.

A ONG também considera como políticas as detenções de dois filiados ao Vontade Popular: o deputado Gilber Caro e o vereador José Vicente García. Os dois também estão sob custódia do Sebin.

Caro, que tem imunidade parlamentar, foi preso em janeiro suspeito de conspiração e delitos contra a pátria. De acordo com o governo, ele trouxe armas da Colômbia para uma tentativa de golpe.

Já García, encarcerado em outubro, também foi imputado com as mesmas acusações por ter granadas em casa, dizem as autoridades. A Anistia considera as provas forjadas e as acusações, vagas.

O Vontade Popular é a sigla de Leopoldo López, condenado a 13 anos de prisão por incitação à violência, em julgamento considerado enviesado. A falta de independência do Judiciário é outro ponto criticado pela ONG.

"Isso se reflete no desconhecimento da presunção de inocência e na ausência de imparcialidade de juízes e promotores, o que leva a um julgamento injusto."

O informe menciona, por exemplo, as punições feitas a adversários de Maduro após serem pedidas por chavistas, que se repetiram neste mês.

No dia 6, o ministro do Interior, Néstor Reverol, disse que o governador Henrique Capriles e o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, devem ser presos devido à violência nos protestos.

No dia seguinte, Capriles teve os direitos políticos cassados por 15 anos por supostas irregularidades fiscais.

A Anistia Internacional recomenda a libertação dos presos sem acusações formais, a regulamentação dos delitos como conspiração e terrorismo, o direito à defesa e o fim dos julgamentos de cortes como a Justiça Militar.

"O uso de jurisdições especiais viola o direito ao juiz natural e de ser julgado por um tribunal independente e imparcial, de caráter civil e ordinário", diz a ONG.

Presos na Venezuela

PROCURADORA

A violação do processo legal, mencionada pela ONG, foi criticada nesta terça (25) pela procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, ao se referir aos presos nos protestos.

Díaz citou casos de detenções sem especificação dos crimes, violando lei que vale inclusive em estado de exceção. "O país precisa de segurança jurídica", disse, para depois criticar Maduro pela repressão. "A paz não se decreta, se constrói com atos, exemplo e instituições fortes."

A oposição volta às ruas nesta quarta, enquanto a OEA deverá votar se convoca uma reunião de chanceleres sobre a Venezuela, a pedido de 16 países, incluindo o Brasil.

Caracas ameaçou deixar a organização se o encontro for aprovado sem sua anuência. Por outro lado, pediu uma cúpula da Celac sobre a violência nos protestos, que será no dia 2 em El Salvador.


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