Folha de S. Paulo


Análise

Êxito de Macron mostra triunfo do fator humano sobre as ideias

O Estado britânico descobriu Emmanuel Macron antes que os eleitores da França o fizessem. Treinado ao estilo cartesiano, para trabalhar facilmente tanto com números quanto com ideias, ele deslumbrou Londres como negociador, durante a tentativa de fusão entre as empresas EADS e a BAE Systems cinco anos atrás.

Tecnocratas franceses parecem sempre capazes de ativar a única insegurança que a elite britânica se permite —desconfiar de que sua formação intelectual genérica é apenas um enfeite que cerca um vazio, em termos de conhecimento sólido.

Eric Fefeberg - 23.abr.2017/AFP
O candidato presidencial francês Emmanuel Macron acena para seu público em discurso no domingo
O candidato presidencial francês Emmanuel Macron acena para seu público em discurso no domingo

Se Macron conquistar a presidência da França, negociações detalhadas serão retomadas —desta vez sobre os termos da saída britânica da União Europeia, o "brexit". Para a direita britânica, portanto, é alguém que deve ser levado em conta. Para os progressistas do Reino Unido, alguém com quem aprender: lição viva de política eleitoral.

E qual seria a lição, exatamente? Não pode ser a importância das ideias. Macron defende a abertura, contra o fechamento. Mas é tão vago quanto a frase acima.

Sua lição está no homem em si. A variável mais importante na política —o determinante último de resultados eleitorais— é a qualidade individual do candidato.

Nós nos perdemos em análises do populismo, elitismo e todos os outros substantivos abstratos do momento, mas, excetuados os momentos mais extremos, não existe "zeitgeist" ideológico forte a ponto de impossibilitar que um bom político o reverta.

Quaisquer que tenham sido os problemas econômicos que levaram os eleitores norte-americanos a escolher Donald Trump, esses problemas já existiam em 2012, quando eles reelegeram Barack Obama, e continuavam a existir em janeiro, quando se despediram do presidente com ótimos índices de aprovação.

Qualquer que seja a raiva que os britânicos têm de sua elite, ela já os enraivecia dois anos atrás, quando reconduziram David Cameron ao posto de primeiro-ministro.

Macron é outro líder a prosperar apesar do momento. Um antigo financista, de inclinações moderadamente progressistas e origens na alta burguesia, pode vir a governar, aos 39 anos, um país que prefere os mais velhos, abriga suspeitas quase supersticiosas quanto às finanças e tem um apego mais profundo que o do Reino Unido ao populismo. Como?

Por ser mais plausível e atraente que os demais —o político de quem as pessoas mais gostam e menos desgostam na França. Nada disso garante excelência executiva. Macron pode se provar um péssimo presidente. Mas, se vencer é a questão, a moral da história é que pensamento, e até mesmo organização, valem menos do que talento político pessoal.

O período entre o nascimento de Macron em 1977 e o crise de 2007/2008 entrou para a história como a Era Liberal. Mas também foi uma sequência de disputas políticas como as de Ronald Reagan vs. Walter Mondale pela presidência dos Estados Unidos, Margaret Thatcher vs. Michael Foot pela chefia de governo do Reino Unido e Tony Blair contra diversos conservadores... Os eleitores estavam cansados do corporativismo do pós-guerra, mas será que teriam eleito Foot se ele fosse o conservador reformista e Thatcher a esquerdista tradicional?

Vezes sem conta, os acontecimentos nos conduzem de volta a isso: ao fator humano, à posição central do indivíduo. No entanto, nos acostumamos a encarar as últimas décadas como uma jornada do liberalismo ao populismo, como se os resultados eleitorais fossem ordenados por uma superestrutura de ideias e apenas um filisteu ousasse incorporar ao cálculo o elemento pessoal. É a maldição do político (analisar demais) combinada à profunda necessidade que nossa espécie sente de ver ordem no caos.

Os eleitores se baseiam na impressão externa do candidato como chave para determinar sua substância. O candidato parece razoável? Ele tem alguma coisa que aponte para o futuro? Líderes que causam respostas afirmativas a essas perguntas serão capazes de vencer na maioria das condições.

Para os liberais, a implicação é complexa. O caminho de retorno ao poder não precisa envolver décadas de introspecção nas soturnas antecâmaras de simpósios de Davos. O retorno pode acontecer de imediato, se aparecer um candidato de primeira classe. A má notícia é que essa chegada não pode ser legislada.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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