Folha de S. Paulo


Referendo na Turquia aprova ampliação de poderes de Erdogan

Murad Sezer/Reuters
Turkish President Tayyip Erdogan greets his supporters in Istanbul, Turkey, April 16, 2017. REUTERS/Murad Sezer ORG XMIT: ist602
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, participa de comício em Istambul

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, venceu o disputado plebiscito constitucional deste domingo (16) que lhe permitirá concentrar ainda mais poderes.

O "sim" teve 51% dos votos, com 99% das urnas apuradas. O resultado já foi chancelado pelo Supremo Comitê Eleitoral, que divulgará os dados finais nos próximos dias.

A oposição apontou fraudes e disse que irá contestar a contagem, o que deve abrir novo capítulo de instabilidade no país majoritariamente muçulmano de 80 milhões de habitantes encravado entre a Europa e países do Oriente Médio conflagrados.

Erdogan telefonou a seus aliados para celebrar a conquista, com a qual aprovou 18 emendas à Constituição.

Em discurso, ele disse que o resultado consolida "a unidade, fraternidade e harmonia entre os cidadãos" e pediu que a comunidade internacional respeite o voto.

"Temos muito a fazer. Está na hora de trocar de marcha e ir mais rápido", disse Erdogan. "Estamos fazendo a reforma mais importante da história da nossa nação."

O presidente, que é acusado pela oposição de perseguir inimigos desde a tentativa frustrada de golpe militar em julho passado, também afirmou que cogita convocar um novo plebiscito para que a população decida sobre a reinstituição da pena de morte.

O "sim" venceu predominante no interior turco, em regiões governistas como Konya. Mas as três maiores cidades –Istambul, Esmirna e a capital, Ancara– rejeitaram as emendas à Carta. O "não" prevaleceu na costa do Egeu, no oeste, e na parte europeia.

Simpatizantes do partido governista AKP (Justiça e Desenvolvimento) comemoraram em Istambul com fogos de artifício. Em bairros de oposição como Cihangir, no entanto, houve panelaço.

A aprovação do plebiscito por uma margem curta levará a atritos políticos. O CHP (Partido Republicano do Povo), principal força de oposição, pediu a recontagem de 37% das cédulas, que não teriam o carimbo oficial e, portanto, seriam irregulares. As autoridades eleitorais, porém, validaram esses votos.

Alkis Konstantinidis/Reuters
Supporters of Turkish President Tayyip Erdogan celebrate at the AK party headquarters in Istanbul, Turkey, April 16, 2017. REUTERS/Alkis Konstantinidis ORG XMIT: IST212
Apoiadores do presidente Tayyip Erdogan comemoram nas ruas de Istambul

REPRESSÃO

Com o voto, a Turquia transformará sua democracia parlamentar em um sistema presidencial, extinguindo o cargo de premiê. As mudanças entram em vigor nas próximas eleições, em 2019.

É a maior alteração política desde o início da república, em 1923, e o fim do califado, em 1924. O presidente poderá, entre outras medidas, nomear juízes à mais alta corte e aprovar o Orçamento.

Erdogan está no poder desde 2003, quando era premiê. Ele tomou posse como presidente em 2014 e poderá se reeleger mais duas vezes –o que o levaria a superar 25 anos de mando.

A campanha do governo insistiu em que essas medidas favorecem o país, ao ampliar as prerrogativas do Executivo em tempos de crise.

A oposição, no entanto, afirma que as mudanças são uma grave guinada ao autoritarismo, em um país no qual a concentração de poder recrudesceu nos últimos anos.

"Esse plebiscito é uma piada", diz Anil Alçin, 46, que fez campanha pelo "não" na região asiática de Istambul. "Erdogan já tem sua ditadura e pode fazer o que quiser."

Depois de uma tentativa frustrada de golpe militar em 15 de julho de 2016, o governo prendeu 45 mil pessoas e removeu 130 mil de suas funções públicas. O país está em estado de emergência.

Por outro lado, a sensação de insegurança, agravada por atentados terroristas e pelo embate com milícias curdas, favorece o argumento do governo de que precisa de um presidente com mais poder.

"O Exército hoje está dividido demais", diz Hamza Topçu, 23. Parte de um coletivo de jovens pró-governo, ele afirma que a vitória irá permitir a unidade, o crescimento econômico e a independência do Judiciário –embora Erdogan possa agora nomear juízes.

Os partidários do governo discordam também de que as emendas na Constituição signifiquem a concentração excessiva de poderes.

Para Ali Said Kose, 26, o termo de comparação são os governos europeus, dos quais a Turquia tem se afastado, alinhando-se à Rússia e ao Irã.

"Os governos europeus também não têm presidentes fortes? Eles são antidemocráticos por isso?".

A vitória de Erdogan amarga a complicada relação com a União Europeia, afetando toda a região. A Turquia é membro-chave da Otan, aliança militar ocidental.

Esses laços já foram abalados nos últimos meses pela campanha do governo. Alemanha e Holanda proibiram comícios oficiais, no que a Turquia descreve como "práticas nazistas". As relações de alto nível com Amsterdã foram rompidas. Com o "sim", a Turquia fica ainda mais longe da adesão à UE.

REAÇÃO DA UE

A UE reagiu com cautela à vitória de Erdogan no plebiscito deste domingo.

Jean-Claude Juncker, chefe da Comissão Europeia (braço executivo da UE) pediu que as autoridades do país "busquem o maior consenso possível" para implementar as mudanças que ampliam poderes do Executivo.

Ele também disse aguardar relatos de observadores internacionais sobre os indícios de irregularidades.

VOTO POR REGIÃOGrandes cidades votaram

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PLEBISCITO TURCO
População votou neste domingo (16) para dar mais poderes a Erdogan

O QUE ESTÁ EM DEBATE?
Os turcos aprovaram, por 51% dos votos, alterações na Constituição, transformando o sistema parlamentar em presidencial e abolindo o cargo de premiê. As mudanças devem entrar em vigor em 2019

QUEM OCUPA ESSES CARGOS HOJE?
O presidente é Recep Tayyip Erdogan e o premiê é Binali Yildirim, ambos do partido conservador AKP

O QUE ISSO SIGNIFICA NA PRÁTICA?
O presidente terá mais poderes, como o de nomear e exonerar ministros e juízes. Ele também poderá emitir decretos em algumas áreas

É UM PROBLEMA?
Parte da população acredita que sim. O presidente –ou seja, Erdogan– terá muito mais poder. O cenário preocupa porque, nos últimos meses, o governo já tem recrudescido seu controle

POR QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO AGORA?
A Turquia sobreviveu a uma tentativa de golpe de Estado em julho de 2016, o que deu fôlego ao governo de Erdogan e justificou uma série de medidas consideradas demasiado repressivas. A campanha pelo "sim" diz que, neste período de instabilidade, o país precisa de um governo forte

TODO O MUNDO APOIA?
Não. O partido de centro-esquerda CHP e o esquerdista HDP, por exemplo, fazem campanha pelo "não"

E OS EXPATRIADOS?
A votação fora da Turquia já foi encerrada na semana passada e esse voto ajudou a determinar o resultado -no exterior, o apoio ao "sim" chegou a 59%. Há 5,5 milhões de turcos no exterior, segundo o governo, a maior parte deles na Europa. A população turca é de 80 milhões de pessoas

QUAL É A OPINIÃO FORA DA TURQUIA?
Líderes internacionais já demonstraram receio quanto às mudanças na Turquia. A Comissão Europeia divulgou uma nota descrevendo as mudanças como "excessivas"

ISSO AFETARÁ AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS?
Provavelmente. Já houve atrito porque governos europeus, como Alemanha e Holanda, impediram comícios em seus países. Erdogan acusou a chanceler alemã, Angela Merkel, de "práticas nazistas"


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