Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Ataque sugere fim da sorte de Assad e testa coordenação entre EUA e Rússia

Mass Communication Specialist 3rd Class Ford Williams/U.S. Navy via AP
Imagem cedida pela Marinha dos EUA do navio USS Porter lançando um míssil Tomahawk do mar Mediterrâneo em direção à Síria
Imagem cedida pela Marinha dos EUA mostra míssil sendo lançado de porta-aviões contra a Síria

O inédito ataque dos EUA contra alvo do governo sírio sugere, até aqui, uma reversão na fortuna de Bashar al-Assad, o ditador que se manteve na cadeira com o apoio explícito do Kremlin.

É importante notar detalhes da ação. Os 59 mísseis de cruzeiro atingiram a base de onde, segundo os EUA, saíram os aviões que fizeram o famigerado ataque químico que chocou o mundo.

O Departamento de Defesa Americano fez questão de dizer que nenhum material ou pessoal russo estava em tal base. É uma obviedade, já que Putin tem suas forças encasteladas na unidade de Hmeinim, no encrave da minoria alauita da qual Assad é o expoente, embora haja relatos de russos presentes no local atacado.

Mais: os americanos dizem ter informado os russos de sua ação, justamente para evitar o que qualquer observador teme: tropas de Vladimir Putin sob fogo direto dos EUA.

Para a administração Trump, há um gosto de vingança óbvio. Em 2013, o presidente Barack Obama trombeteou que se a Síria ultrapassasse a "linha vermelha" do uso de armas de destruição em massa, ele seria compelido a atacá-la.

Putin ponderou e os EUA aquiesceram. Um acordo foi firmado com Assad visando a entrega de todo seu arsenal de armamento químico, e os americanos acabaram envolvidos numa operação limitada de ataques contra um dos beligerantes locais, o Estado Islâmico.

Foi uma vitória de Putin, que dois anos depois resolveu intervir no conflito, salvando o regime de Assad com uma ação de baixa intensidade, baseada em ataques aéreos e apoio logístico em solo.

Não houve uma ocupação russa, mas projeção de poder. A base em Hmeimim é guarnecida por tanques e potentes sistemas antiaéreos S-300 e S-400, que ameaçam qualquer avião entre 40 km e 400 km de distância.

Há cerca de 4.000 soldados envolvidos na operação, mas de tempos em tempos Putin anuncia que está "retirando suas forças". Os EUA têm hoje talvez mil soldados já em solo na Síria, treinando e apoiando grupos rebeldes contrários a Assad.

É um pesadelo jurisdicional, vitaminado por tropas turcas e aviões militares europeus e árabes.

A natureza do ataque dos EUA na noite desta quinta (6) indica mais um aviso do que uma escalada em si. Houve proporcionalidade clássica ao atacar a base de onde saíram os agressores.

Um movimento maior para tirar Assad do poder implicaria o uso de tropas em solo, e os EUA não estão prontos para isso em tese. A questão que fica é: Trump quer mesmo derrubar o protegido de Putin?

Se é verdade que Moscou já desenhou cenários no qual o aliado deixa o poder, por outro lado os russos foram os primeiros a apoiar Damasco após o ataque químico.

Mas as consultas com os russos, se ocorreram como o Pentágono diz, dão a entender que Assad pode estar em maus lençóis.

Pode haver alguma cláusula oculta nos fatos, que envolva o levantamento das sanções contra a Rússia devido à anexação da Crimeia.

Há riscos, contudo. Além de talvez brigar com uma potência nuclear, haveria a possibilidade de humilhar um Putin sem condições de reagir devido à penúria econômica russa.

Isso seria um golpe duro para sua busca pela reeleição em 2018, e poderia gerar mais agressividade em outras frentes.

Se tudo isso parece inimaginável, cabe lembrar que os "falcões" do Pentágono estão em uma semana animada. Viram o assessor presidencial pró-russo Stephen Bannon perder poder na tomada de decisões militares.

A linha escolhida por Trump, ainda que combinada com os russos, carrega riscos antes impensáveis. Conflitos locais podem degenerar em guerras mais amplas por detalhes, e resta saber o grau de coordenação entre Casa Branca e Kremlin no episódio, até para definir o futuro de Assad.

ATAQUE À SÍRIAO míssel Tomahawk

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