Folha de S. Paulo


Análise

Opções de retaliação à Síria são limitadas e opõem EUA e Rússia

O endurecimento da posição do governo Trump em relação à Síria, se não for blefe ou embutir algum tipo de acordo secreto com Moscou, coloca Rússia e EUA em rota de colisão no deserto árabe.

Duas questões emergem da ameaça contra o governo do ditador Bashar al-Assad. A mais óbvia é: como tomar qualquer tipo de atitude sem colocar tropas russas sob fogo americano, uma situação autoexplicativa em termos de avaliação de risco.

Sana
O ditador sírio, Bashar al-Assad, durante entrevista ao jornal croata
O ditador sírio, Bashar al-Assad, durante entrevista ao jornal croata "Vecernji List" em Damasco

Desde setembro de 2015, quando pegou o mundo de surpresa e interveio no conflito sírio, o presidente Vladimir Putin tem reforçado suas posições no país árabe. Mas é uma intervenção de baixa intensidade, baseada em ataques aéreos e o apoio em solo às forças leais a Assad.

Não houve uma ocupação russa, mas a criação de um enclave. A base em Hmeimim é guarnecida por tanques e potentes sistemas antiaéreos S-300 e S-400, que ameaçam qualquer avião entre 40 km e 400 km de distância. Há cerca de 4.000 soldados envolvidos na operação, mas de tempos em tempos Putin anuncia que está "retirando suas forças".

Por outro lado, em lugares como a cidade de Manbij, Rangers do Exército americano quase se esbarram na rua com soldados russos. Nenhum dado é preciso, mas os EUA têm hoje talvez mil soldados já em solo na Síria, treinando e apoiando grupos rebeldes contrários a Assad. É um pesadelo jurisdicional, vitaminado por tropas turcas e aviões militares europeus e árabes.

Washington pode querer decapitar o regime sírio, e isso pode ser feito com bombardeios maciços. E depois? O uso de tropas é o único meio de fazer isso de fato, mesmo que com efeitos trágicos como o caso iraquiano mostrou.

Nada indica que os EUA estejam prontos para isso, mas a questão mais importante é outra. O governo de Donald Trump quer derrubar mesmo Assad, o protegido de Putin?

Se é verdade que Moscou já desenhou cenários no qual o aliado deixa o poder, por outro lado os russos foram os primeiros a apoiar Damasco após o ataque químico.

Pode haver alguma cláusula oculta, que envolva o levantamento das sanções contra a Rússia devido à anexação da Crimeia, mas declarar guerra ao ditador equivale a fazer o mesmo contra Putin.

Além dos riscos de brigar com uma potência nuclear, há a possibilidade de humilhar um Putin sem condições de reagir devido à penúria econômica russa. Isso seria um golpe duro para sua busca pela reeleição em 2018, e poderia gerar mais agressividade em outras frentes.

Se a situação parece inimaginável, cabe lembrar que os "falcões" do Pentágono estão em uma semana animada. Viram o assessor presidencial pró-russo Steve Bannon perder poder na tomada de decisões militares. E Trump parece cada vez mais tentado a buscar uma guerra para chamar de sua e tentar abafar as crises de seu governo.


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